Notas Acerca da Convergência
da Formação Acadêmica e Profissional
entre a Arquivologia, a Biblioteconomia
e a Ciência da Informação

Maria Teresa N. de Britto Matos *

Vanda Angélica da Cunha *

INTRODUÇÃO

A idéia de promover uma cooperação entre os trabalhos desenvolvidos por arquivos, bibliotecas e outros organismos de documentação surge em 1934 com Paul Otlet no Traité de Documentation (PINHEIRO, 2002; FONSECA, 1979).

No entanto, a concepção de Otlet (1934) só começou a tomar corpo com os esforços aglutinadores da Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Primeiramente, a Unesco cria, em 1948, o Conselho Internacional de Arquivos - CIA. Em seguida, procura estreitar as relações entre a FID - Federação Internacional de Documentação e a IFLA - Federação Internacional das Associações de Bibliotecários que antes trabalhavam isoladamente (FONSECA, 1979). E, em 1974, ocorre o que Fonseca (1979) classifica de "coroamento" das iniciativas já referidas, a realização da Conferência Inter-governamental sobre a Planificação das Infra-estruturas de Documentação, de Bibliotecas e de Arquivos, organizada pela Unesco. A partir de então, segundo o autor (1979), passaria a ser estabelecido um "pacto" entre as bibliotecas e os arquivos.

Nesta perspectiva, durante a Conferência Geral da Unesco, em sua 19ª seção, foi criado o Programa Geral de Informação _ PGI, reforçando a necessidade de cooperação mais estreita entre as diversas profissões consagradas à informação (MULLER, 1984).

E, ainda em outubro de 1984, a Unesco promove o Simpósio Internacional para a Compatibilização da Formação Profissional e Treinamento em Ciência da Informação, Biblioteconomia e Arquivologia. O consenso das discussões deu origem a um Plano de Ação visando compatibilizar os cursos de formação profissional para as áreas de Ciência da Informação, Biblioteconomia e Arquivologia. A execução foi atribuída a organismos internacionais, instituições de ensino profissional, associações de classe e outros (MULLER, 1984).


Entendemos que a UNESCO:

[...] reconhece que a formação de pessoal para as áreas de biblioteconomia, ciência da informação e arquivologia tem sido, em quase todos os países, estruturada em cursos separados, dirigidos para atender a necessidades próprias da biblioteca, centros de informação e arquivos. No Brasil, por exemplo, há cursos de biblioteconomia e ciência da informação, e outros para arquivologia. [...] (MULLER, 1984).

Logo, segundo a Unesco, muitos indícios apontam no sentido de que há um núcleo comum de interesse, que permite uma convergência de conteúdos básicos para a formação profissional. Não se trata, contudo, de uma proposta para absorção dos diferentes cursos ou de uma profissão pela outra, mas sim a identificação de pontos comuns permitindo o diálogo e aproximação das profissões.

No Brasil, o reflexo destes fóruns somados ao quadro de crescentes e profundas transformações das dimensões tecnológica e social do universo informacional, deu inicio a um processo de mudanças nas denominações das escolas/departamentos que abrigam programas de formação na área, além de ampliar a oferta de cursos, como referido por Barbosa (1998). Por exemplo, na Universidade de Brasília, a Faculdade de Estudos Sociais Aplicados - FA, abriga o Departamento de Ciência da Informação e Documentação - CID, antigo Departamento de Biblioteconomia, que oferece dois cursos de graduação, um em Biblioteconomia, criado em 1962 e o outro em Arquivologia implantado em 1991. Outro ponto de destaque é o fato do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, com mestrado iniciado em 1978 e doutorado em 1992, possuir cinco linhas de pesquisa, dentre elas uma em "informação orgânica" única no Brasil, que contempla oficialmente a área de Arquivologia. Outros programas de pós-graduação na área de Ciência da Informação reconhecidos pela CAPES no ano de 2001, oferecem possibilidades do desdobramento de estudos em Arquivologia, mas de forma ainda não institucionalizada (SMIT, DIAS e SOUZA, 2002) o que indica a tendência a se reconhecer a convergência entre essas áreas.

FORMAÇÃO ACADÊMICA

O cenário da formação acadêmica brasileira tem passado por mudanças paradigmáticas, destacando-se o que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (1996), que instituiu novos conceitos de flexibilização curricular, conferindo ao aluno liberdade de escolha de sua formação, cabendo às instituições de ensino reestruturar suas propostas pedagógicas e curriculares direcionadas para a "formação de graduados generalistas, versáteis, aptos a atuar em diferentes contextos" (TEIXEIRA, BARBOSA, LUBISCO e CUNHA, 2002). A partir desta orientação, o Ministério de Educação - MEC e o Conselho Nacional de Educação - CNE através de instrução, introduziram profundas alterações através das Diretrizes


Curriculares Nacionais dos Cursos de Arquivologia e Biblioteconomia dentre outros, instruídas no Parecer n.CNE/CES 492/2001, aprovado em 03/04/2001.

Paralelamente, é importante lembrar que a trajetória da Associação Brasileira de Educação em Ciência da Informação - ABECIN, antiga Associação Brasileira de Ensino de Biblioteconomia e Documentação - ABEBD, desde a sua origem em 1967, tem buscado se inserir nesse movimento, congregando docentes dos cursos de Biblioteconomia e Ciência da Informação, no âmbito da graduação, para tratar notadamente de questões relacionadas à qualidade do ensino. A ABECIN tem promovido trienalmente encontros de cunho nacional de ensino de Biblioteconomia e Ciência da Informação, denominados ENEBECI e os seminários nacionais de avaliação curricular - SNAC, com a finalidade de avaliar a situação do ensino da área no país, bem como propiciar espaços para discussões sobre experiências curriculares (ABECIN, 2001).

Assim, partindo do estudo comparativo e análise das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Biblioteconomia e Arquivologia apresentado no quadro abaixo, notamos ampla interseção dos elementos constituintes de ambas as Diretrizes, como discutimos a seguir.

Figura 1

Análise Comparativa das Diretrizes Curriculares dos Cursos de
Biblioteconomia e Arquivologia

ITENS BIBLIOTECONOMIA ARQUIVOLOGIA



1

Perfil dos Formandos

Desenvolvimento de competências e habilidades. Domínio dos conteúdos da Biblioteconomia. Proficiência e criatividade na solução dos problemas ligados à prática profissional. Produzir e difundir conhecimento. Capacidade de refletir criticamente sobre o contexto imediato de atuação. Aprimoramento contínuo. Observar os padrões éticos de conduta profissional. Egressos capazes de atuar em: bibliotecas, centros de documentação ou informação, centros culturais, serviços ou redes de informação, órgãos de gestão do patrimônio cultural.

Domínio dos conteúdos da Arquivologia. Proficiência e criatividade na solução dos problemas ligados à prática profissional. Capacidade para intervir em arquivos, centros de documentação ou informação, centros culturais, serviços ou redes de informação, órgãos de gestão do patrimônio cultural.


2

Competências e Habilidades Profissionais

Gerais

· Gerar produtos a partir dos conhecimentos adquiridos e divulgá-los;

· Formular e executar políticas institucionais;

· Elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos;

· Utilizar racionalmente os recursos disponíveis;

· Desenvolver e utilizar novas tecnologias;

· Traduzir as necessidades de indivíduos, grupos e comunidades nas respectivas áreas de atuação;

· Desenvolver atividades profissionais autônomas , de modo a orientar, dirigir, assessorar, prestar consultoria, realizar perícias e emitir laudos técnicos e pareceres;

· Responder a demandas sociais de informação produzidas pelas transformações tecnológicas que caracterizam o mundo contemporâneo.

Gerais

· Identificar as fronteiras que demarcam o respectivo campo de conhecimento;

· Gerar produtos a partir dos conhecimentos adquiridos e divulgá-los;

· Formular e executar políticas institucionais;

· Elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos;

· Desenvolver e utilizar novas tecnologias;

· Traduzir as necessidades de indivíduos, grupos e comunidades nas respectivas áreas de atuação;

· Desenvolver atividades profissionais autônomas, de modo a orientar, dirigir, assessorar, prestar consultoria, realizar perícias e emitir laudos técnicos e pareceres;

· Responder a demandas de informação produzidas pelas transformações que caracterizam o mundo contemporâneo.


Específicas

· Interagir e agregar valor nos processos de geração, transferência e uso da informação em todo e qualquer ambiente;

· Criticar, investigar, propor, planejar, executar e avaliar recursos e produtos de informação;

· Trabalhar com fontes de informação de qualquer natureza;

· Processar a informação registrada em diferentes tipos de suporte, mediante a aplicação de conhecimentos teóricos e práticos de coleta, processamento, armazenamento e difusão da informação;

· Realizar pesquisas relativas a produtos, processamento, transferência e uso da informação.

Específicas

· Compreender o estatuto probatório dos documentos de arquivo;

· Identificar o contexto de produção de documentos no âmbito de instituições públicas e privadas;

· Planejar e elaborar instrumentos de gestão de documentos de arquivo que permitam sua organização, avaliação e utilização;

Realizar operações de arranjo, descrição e difusão


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Conteúdos Curriculares

Conteúdos de Formação Geral (Oferecem referências externas aos campos de conhecimento próprios da Biblioteco-nomia)

· De caráter propedêutico ou não os conteúdos de formação geral envolvem elementos teóricos e práticos, que forneçam fundamentos para os conteúdos específicos do curso.

Conteúdos de Formação Específica (Conteúdos profis-sionalizantes. Constituem o núcleo básico no qual se inscreve a formação de bibliotecário)

O desenvolvimento de determinados conteúdos como a Metodologia da Pesquisa ou as Tecnologias da Informação, entre outras _ poderá ser objeto de itens curriculares formalmente constituídos para este fim ou de atividades praticadas no âmbito de um ou mais conteúdos.

Recomenda-se que os projetos acadêmicos acentuam a adoção de uma perspectiva humanística a formulação do conteúdos, conferindo-lhes um sentido social e cultural que ultrapasse os aspectos utilitários mais imediatos sugeridos por determinados itens.

As IES podem adotar modalidades de parceria com outros cursos para:

a) ministrar matérias comuns;

b) promover ênfases específicas em determinados aspectos da carreira;

c) ampliar o núcleo de formação básica;

d) complementar conhecimentos auferidos em outras áreas.

Conteúdos de Formação Geral (Oferecem referências externas aos campos de conhecimento próprios da Arquivologia)

· De caráter propedêutico ou não os conteúdos de formação geral envolvem elementos teóricos e práticos, que forneçam fundamentos para os conteúdos específicos do curso.

Conteúdos de Formação Específica (Conteúdos profis-sionalizantes. Constituem o núcleo básico no qual se inscreve a formação de arquivistas)

O desenvolvimento de determinados conteúdos como a Metodologia da Pesquisa ou as Tecnologias da Informação, entre outras _ poderá ser objeto de itens curriculares.

As IES podem adotar modalidades de parceria com outros cursos para:

e) ministrar matérias comuns;

f) promover ênfases específicas em determinados aspectos da carreira;

g) ampliar o núcleo de formação básica;

complementar conhecimentos auferidos em outras áreas.


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Estágios e Atividades Complementares

Mecanismos de interação do aluno com o mundo do trabalho em sua área, os estágios serão desenvolvidos no interior dos programas dos cursos, com intensidade variável segundo a natureza das atividades acadêmicas, sob a responsabilidade imediata de cada docente. Constituem instrumentos privilegiados para associar desempenho e conteúdo de forma sistemática e permanente.

Além disso, o colegiado do curso poderá estabelecer o desenvolvimento de atividades complementares de monitoria, pesquisa, participação em seminários e congressos, visitas programadas e outras atividades acadêmicas e culturais, igualmente orientadas por docentes (de preferência em regime de tutoria) a serem computadas como carga horária.

Mecanismos de interação do aluno com o mundo do trabalho em sua área, os estágios serão desenvolvidos no interior dos programas dos cursos, com intensidade variável segundo a natureza das atividades acadêmicas, sob a responsabilidade imediata de cada docente.

Além disso, o colegiado do curso poderá estabelecer o desenvolvimento de atividades complementares de monitoria, pesquisa, participação em seminários e congressos, visitas programadas e outras atividades acadêmicas e culturais, igualmente orientadas por docentes.


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Estrutura do Curso

A estrutura geral do curso de Biblioteconomia deverá ser definida pelo respectivo colegiado, que indicará a modalidade de seriação, de sistema de créditos ou modular.

Os cursos devem incluir no seu projeto pedagógico os critérios para o estabelecimento das atividades acadêmicas obrigatórias e optativas e a organização modular, por créditos ou seriada.


6

Conexão com

a Avaliação Institucional

Os cursos deverão criar seus próprios critérios para a avaliação periódica em consonância com os critérios definidos pelas IES à qual pertencem, esclarecendo as ênfases atribuídas aos aspectos técnico-científicos; didático-pedagógico e atitudinais.

Os cursos deverão criar seus próprios critérios para a avaliação periódica em consonância com os critérios definidos pelas IES à qual pertencem, esclarecendo as ênfases atribuídas aos aspectos técnico-científicos; didático-pedagógico e atitudinais.



Quanto ao Perfil dos Formandos é diretriz comum o domínio dos conteúdos, o que não caracteriza uma ênfase excessiva no acúmulo de informação, pois segue-se a recomendação de desenvolver proficiência e criatividade na solução dos problemas ligados à prática profissional. No entanto, consta apenas das diretrizes de Biblioteconomia a produção e difusão do conhecimento, a capacidade de refletir criticamente, o aprimoramento contínuo e os padrões éticos de conduta profissional. Ao lado de bibliotecas e arquivos, os formandos compartilham ampla área de atuação, à saber: centros de documentação e informação, centros culturais, serviços ou redes de informação e órgãos do patrimônio cultural. Portanto, são profissionais destinados a convergir e compartilhar espaços de atuação profissional no mundo do trabalho.

Acerca das Competências e Habilidades Profissionais Gerais há uma sobreposição praticamente integral entre as diretrizes. Mas, existe um item curioso na diretriz de Arquivologia: cabe a Arquivologia identificar as fronteiras que demarcam o seu respectivo campo de conhecimento, ou seja, o ônus da demarcação epistemológica da área de conhecimento cabe a Arquivologia. Da análise de ambas as diretrizes observamos que é de responsabilidade da Arquivologia promover a delimitação de seu campo teórico. Enquanto a Biblioteconomia possui naturalmente um caráter mais amplo de atuação.

As Competências e Habilidades Profissionais Específicas relacionam-se com os conteúdos curriculares de formação especifica, profissionalizante. E, são os referidos na Figura 1. Observamos apenas que há preocupação comum com a difusão.

Os Conteúdos Curriculares de Formação Geral também compartilham as recomendações e cumprem a função de promover o diálogo com referencias externas aos campos da Arquivologia e da Biblioteconomia. Trata-se do espaço curricular destinado à interdisciplinaridade.

Os Conteúdos Curriculares de Formação Específica também coincidem, com uma única ressalva: é que se recomenda aos currículos de Biblioteconomia uma perspectiva humanística, conferindo-lhes um sentido social e cultural que ultrapassam os aspectos mais imediatos da atuação profissional.

Quanto aos Estágios e Atividades Complementares vale salientar duas exceções das diretrizes de Biblioteconomia. O primeiro reforça a tese de que os estágios constituem instrumentos privilegiados para associar desempenho e conteúdo de forma sistemática e permanente. Ênfase que não consta do mesmo item das diretrizes de Arquivologia. Outro comentário refere-se à indicação da preferência em regime de tutoria a serem computados como carga horária para os docentes nas atividades complementares. Referência que também não consta das diretrizes de Arquivologia.


No que tange à Estrutura do Curso, a distinção relevante aqui é que a estrutura geral do curso de Biblioteconomia deverá ser definida pelo respectivo Colegiado. No caso de Arquivologia, o texto não expõe de modo expresso e claro uma participação mais efetiva do Colegiado. Certamente, esse órgão deve participar, mas não está explicito na diretriz.

Sobre a Conexão com a Avaliação Institucional notamos que ambas as diretrizes compartilham do mesmo conjunto de referencias, a saber: os cursos deverão criar seus próprios critérios para avaliação periódica em consonância com as Instituições de Ensino Superior - IES a qual pertencem.

Podemos concluir que ambos os cursos, considerando as recomendações de suas Diretrizes Curriculares e perspectivas, encontram-se em um grau avançado de convergência. O que faz da interdisciplinaridade algo natural, e já consolidado no âmbito epistemológico da área da Ciência da Informação de acordo com o que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq designa como classificação para a área. A área de conhecimento é a Ciência da Informação (6.7), subdividida em três grandes sub-áreas: Teoria da Informação (6.7.1), Biblioteconomia (6.7.3) e Arquivologia (6.7.3) (DIAS, 2002).

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

A análise das questões que envolvem a convergência entre a Arquivologia, a Biblioteconomia e a Ciência da Informação, se consolida no enfoque da formação profissional para a área. A formação acadêmica inclui os aspectos do objeto de estudo comum a essas disciplinas, aponta a pesquisa científica como forma de sedimentar e ampliar o conhecimento teórico, revela a importância e diversidade dos espaços onde a informação é produzida, coletada, tratada e disseminada. Revela o arcabouço que constitui o desenvolvimento das profissões da área. Indica, de per si, as especificidades e interdisciplinaridade dos saberes específicos e convergentes.

Os conceitos de profissão e missão se confundem ao longo do tempo, segundo reflexão de Cunha (2002), citando Ortega y Gasset (1965) ao conseguir fazer, entre os dois termos, uma distinção aceitável. Para o autor, missão é o que o indivíduo faz porque sente inclinação para determinada atividade, um trabalho específico, movido pelo prazer, ou para preencher uma necessidade pessoal. Com o passar do tempo, se torna útil para o seu grupo social. Nesse estágio, sua atividade ou trabalho já atende ao interesse de uma coletividade. A sociedade começa então a exigir que esse trabalho satisfaça sempre ao seu interesse. É nessa etapa que o trabalho se torna profissão.

O foco nos eixos formação e profissão conduzem ao aspecto da identidade profissional, um valor que perpassa, como objeto de discussão, toda a vida acadêmica e profissional


do campo em estudo, pelo que representa de insumo para o reconhecimento e valorização na sociedade. A identidade tem um papel fundamental na construção do campo profissional, por representar o que, numa perspectiva sociológica, se denomina o self.

O self como mostra Johnson (1997) "é um conjunto relativamente estável de percepções sobre quem somos em relação a nós mesmos, aos outros e aos sistemas sociais". Uma percepção que interfere na qualidade do desempenho profissional e pode favorecer a compreensão da importância de uma convergência na formação e no desenvolvimento das práticas no cotidiano da Arquivologia, da Biblioteconomia e da Ciência da Informação.

O auto-conceito e a percepção que a sociedade tem do arquivista, do bibliotecário e de outros profissionais da informação, constituem a identidade de cada uma das categorias. Uma identidade, fruto de um perfil, que para ser construído requer que competências pessoais e profissionais sejam construídas, preservadas e modificadas continuamente para atender à demanda da sociedade.

Na sua origem, da Antiguidade à Idade Média, o arquivista e o bibliotecário, se caracterizaram por ser o guardião de acervos. Foi um período muito longo, que deixou marcas profundas, ainda visíveis na sociedade contemporânea. O museólogo, um profissional mais recente, também convive com essa imagem, fenômeno originado dos conceitos de patrimônio e preservação de bens culturais em que ainda se inserem os acervos bibliográficos, documentais e museológicos.

O aspecto dinâmico da sociedade faz com que evolua sempre o perfil profissional, que se ajusta às mudanças sociais, para atender às demandas que se modificam em espaços e tempos diferentes.

Com relação aos arquivistas, Ribeiro (2002) registra a preocupação do Conselho Internacional de Arquivos, em escala mundial, na sistemática busca de sua identidade e especificidade de um campo de trabalho a ela referente. Percebe-se que, se por um lado foi importante a consolidação do objeto de estudo e espaço de atuação, por outro sentiu-se a necessidade de se estabelecer maior integração, com objetivos comuns.

Sobre a dissociação profissional a autora comenta:

Se, em determinados casos, continuou a verificar-se a associação profissional de arquivistas com outros grupos afins (bibliotecários, museólogos e até arqueólogos) e a existência de uma formação em conformidade, essa perspectiva mantém-se não porque há um objeto de estudo comum e uma fundamentação teórica subjacente a esse modelo, mas sim porque a visão patrimonialista e historicista continua a dominar e a agrupar uma série de técnicas especializadas. (RIBEIRO, 2002, p. 423)


Mais adiante observa que, a rigor, essa associação não redundou em comportamento semelhante, vez que,

As afinidades entre arquivistas, bibliotecários e outros decorrem, pois, desta valorização dos documentos (em detrimento da informação neles contida) como bens culturais que o conceito de Patrimônio passou a abarcar juntamente com outros bens móveis e imóveis, sejam eles quadros, alfaias religiosas, peças etnográficas, medalhas, moedas, etc (Ibid,, 2002, p. 423)

Considera-se oportuna à reflexão de Oddone (apud MIRANDA, 2002) sobre a conveniência da Ciência da Informação não limitar suas fronteiras conceituais, atrelando-as a atividades profissionais como a Arquivologia, a Biblioteconomia ou a Museologia, mas em focar sua atenção a todo o contexto cujo princípio, centro e fim é a informação. E os teóricos da Ciência da Informação, de fato, chamam atenção para a necessidade de se efetivar uma ruptura com o modelo do foco nos acervos, nos estoques de informação, para o conteúdo desses acervos.

Uma ruptura dessa natureza requer mudança de modelos na formação acadêmica e o respaldo de organismos de classe não corporativistas, ao contrário, comprometidos com o desenvolvimento contínuo dos profissionais e conscientes do compromisso social da Ciência da Informação.

A literatura especializada refere-se a arquivistas, bibliotecários, museólogos e outros profissionais da informação, com novas designações e objetivos e atividades semelhantes. Se por um lado se manifestou, durante muito tempo, isolamento e endogenia entre as categorias, uma exarcebada defesa de espaços e competências, o cenário acena, mesmo que ainda de modo incipiente, para a busca da integração, tendo por alicerce o novo modelo da interdisciplinaridade e do compartilhamento, da sociedade em rede marcada pelas tecnologias de informação e comunicação.

Cabe, nesse artigo, resgatar as idéias de Smit (2002) sobre diferenças e semelhanças reveladas por arquivistas, bibliotecários e museólogos, pela contribuição que oferecem ao tema. A autora, em publicação de 1993, se utiliza da expressão 3 Marias para identificar categorias " numa tentativa de atingir uma simplificação didática sem pretender refletir o espectro profissional em todas suas nuances". Com essa expressão busca juntar as três categorias, se utilizando da metáfora de reunir "as três irmãs (uma loira, uma morena e uma ruiva) numa família na qual cada irmã ignora em boa parte a atuação profissional, os princípios teóricos e as metodologias de trabalho das demais".

O desconhecimento recíproco fortalece o isolacionismo, que ainda é uma realidade, e é considerado pela autora um modelo problemático da área, favorecendo que sejam res


saltadas as diferenças profissionais e dificultando o processo de identificação das semelhanças, mais útil para uma cooperação mútua.

Smit (2002) considera que as diferenças entre os profissionais, têm como base dois eixos que se complementam: os acervos e as instituições que os abrigam. Presos a esses dois elos de uma mesma corrente, distanciados de uma visão de contexto, os profissionais sedimentam conceitos e princípios de que bibliotecas abrigam livros e periódicos, museus preservam objetos e arquivos custodiam documentos produzidos e recebidos em função de suas atividades.

Na prática os profissionais de biblioteca, museu e arquivo, em cada um desses espaços de informação, coletam, processam e disseminam conteúdos registrados em suportes diferentes.

Por que ainda se mostram atados ao modelo estanque de atribuir a cada instituição a caracterização de um dado acervo? Que razões ainda podem explicar que as instituições se diferenciam pelo tipo de documento ou seu suporte? Como desconhecer a convergência possível, real, de mídias em um espaço hipertextual como o da Internet? Nem mesmo o argumento da especificidade na metodologia do trabalho de organização encontra espaço para se admitir o reforço do paradigma das diferenças.

Os profissionais das áreas referidas necessitam perceber a importância do seu papel como agentes de um decisivo processo de convergência entre a Arquivologia, a Biblioteconomia e a Ciência da Informação, na formação acadêmica e no exercício profissional. O ajuste do perfil às exigências da sociedade contemporânea e a utilização das atuais tecnologias de informação, se configuram como premissas para se atingir essa proposta.

As reflexões desenvolvidas neste artigo visam estimular a busca de caminhos concretos, de uma integração entre as categorias profissionais tradicionais na gestão e disseminação da informação. Uma integração que se expresse como permanente cooperação e que no futuro possa atrair as categorias emergentes no trato da informação.

Algumas iniciativas, no Brasil e no Exterior, buscam congregar os profissionais em eventos e entidades que possuem objetivos comuns, como se observa na designação de entidades associativas:

· Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições

www.febab.org.br

· Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas

www.apbad.pt


· Associação Espanhola de Arquivistas, Bibliotecários, Museologos e documentalistas

www.anabad.org
· Federação Espanhola de Sociedades de Arquivística, Biblioteconomia, Documentação e Museologia.

www.fesabid.org

NOTAS

* Professoras do Instituto de Ciência da Informação

REFERÊNCIAS

Associação Brasileira de Educação em Ciência da Informação. [on line]. Disponível em: <http://www.ufpr.br/forgrad/oficina/abecin1.htm>.

BARBOSA, Ricardo Rodrigues. Perspectivas profissionais e educacionais em biblioteconomia e ciência da informação. Ci.Inf., Brasília, v.27, n.1, p. 56-60, jan./abr. 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer n. CNE/CES 492/2001, aprovado em 03/04/2001.

CUNHA, V. A. Profisissional da informação na biblioteca pública contemporânea: o bibliotecário e a demanda por educação continuada. 2002. 234 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Instituto de Ciência da Informação, Universidade Federal da Bahia, Salvador. Orientadora: Profa. Dra. Kátia de Carvalho

DIAS, Eduardo Wense. Ensino e pesquisa em ciência da informação. DataGramaZero - Revista da Ciência da Informação [on line]. Vol.3, n.5, out. 2002. Disponibilidade e acesso:<http://www.dgz.org/out02/F_I_art.htm>.

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JOHNSON, A. G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

MIRANDA, A. O conhecimento objetivo de Popper e a Ciência da Informação: uma aproximação teórico-prática. In: INTEGRAR 1º CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, BIBLIOTECAS, CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO E MUSEUS. São Paulo: Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, 2002, p.311-317.

MULLER, Suzana P.M. Em busca de uma base comum para a formação profissional em biblioteconomia, ciência da informação e arquivologia: relatório de um simpósio promovido pela UNESCO. R. Bibliotecon. Brasília, vol.12, n.2, p.157-165, jul./dez. 1984.

PINHEIRO, Lena Vânia Ribeiro. Gênese da Ciência da Informação ou sinais anunciadores da nova área. In: AQUINO, Mirian de Albuquerque (Org.). O campo da Ciência da Informação: gênese, conexões e especificidade. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2002, p. 61-86.

RIBEIRO, F. O desafio da formação profissional: novo paradigma, novo modelo formativo. In: INTEGRAR 1º CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, BIBLIOTECAS, CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO E MUSEUS. São Paulo: Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, 2002, p.419-440

SMIT, J. W. Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia: o que agrega estas atividades profissionais e o que as separa? Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação. São Paulo, Nova Série, v. 1, n. 2, p. 27-36, fev. 2002.


SMIT, Johanna W.; DIAS, Eduardo Wense e SOUZA, Rosali Fernandez de. Contribuição da pós-graduação para a ciência da informação no Brasil: uma visão. DataGamaZero - Revista de Ciência da Informação [on line], v.3, n.6, dez. 2002. Disponível em:<http://www.dgz.org/dez02/F_I_art.htm>.

TEIXEIRA, Maria das Graças Almeida, BARBOSA, Marilene Lobo Abreu, LUBISCO, Nídia Maria Lienert e CUNHA, Vanda Angélica da. Ensino de biblioteconomia por competência. TECBAHIA - Revista Baiana de Tecnologia. Camaçari, v.17, n.2, p. 57-65, maio/ago., 2002.