GESTÃO DA INFORMAÇÃO NO ESTADO BRASILEIRO:

APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOB A ÓTICA DAS ESTRUTURAS ORGANIZACIONAIS E DOS SITEMAS

 

AURORA FREIXO*

aurorafreixo@superig.com.br

 

As possibilidades de acesso à informação governamental, tanto pelo administrador público como pelo cidadão, encontram-se diretamente relacionadas ao conjunto de práticas desenvolvidas pela administração pública no decorrer do ciclo informacional. Apesar de várias iniciativas em curso nos últimos anos e de um significativo avanço nas ações dos órgãos responsáveis pela regulação e disseminação da informação no Brasil, observa-se inúmeras distorções nos instrumentos regulamentadores, quer seja em dubiedades expressas nos conceitos, quer seja na sobreposição de competências e atribuições de órgãos e instituições de diversos níveis. A proposta deste trabalho é demonstrar algumas dicotomias entre as várias políticas que regulam a informação no Estado brasileiro, a luz da legislação e das estruturas organizacionais e sistemas que as implementam, em especial analisando a questão do acesso à informação governamental como base da transparência do Estado.

 

Palavras-chave: políticas de informação; informação governamental; legislação;

 

1. INTRODUÇÃO

 

Se entendermos que a informação é vital para o desenvolvimento da sociedade, nada mais óbvio do que afirmar que é urgente a necessidade de tratar o assunto com seriedade e profundidade.

No Brasil, percebe-se que, embora se reconheça a importância da informação, pouco tem sido feito no sentido de racionalizar o seu uso e controle, por motivos históricos e culturais, o que faz com que a informação nem sempre seja pertinente às necessidades dos usuários quando dela necessitam.

O Estado brasileiro possui uma ampla e complexa rede de arquivos, produzidos no exercício das funções executiva, legislativa e judiciária nos níveis federal, estadual, municipal e do Distrito Federal.  Iniciada com o processo de colonização do país, essa rede abrange os dias atuais e torna-se ainda mais complexa, uma vez que nela devem ser incluídos os arquivos privados de interesse público e social, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas.

Assim, a informação contida nos arquivos públicos e privados permeia todos os setores da sociedade e os acompanha pela linha do tempo, retratando as decisões e atividades governamentais, parlamentares e judiciárias, bem como as práticas culturais e políticas dos grupos sociais.

As possibilidades de acesso à informação governamental, tanto pelo administrador público como pelo cidadão, encontram-se diretamente relacionadas ao conjunto de práticas desenvolvidas pela administração pública no decorrer do ciclo informacional.

Leis que facilitam o acesso às informações junto aos setores governamentais ajudam a consolidar a cidadania e a inibir práticas de governo que contrariem os interesses da maioria da popu1ação.

Entretanto, apesar de várias iniciativas em curso nos últimos anos e de um significativo avanço nas ações dos órgãos responsáveis pela regulação e disseminação da informação no Brasil, observa-se inúmeras distorções nos instrumentos regulamentadores, quer seja em dubiedades expressas nos conceitos, quer seja na sobreposição de competências e atribuições de órgãos e instituições de diversos níveis.

A proposta deste trabalho é demonstrar algumas dicotomias entre as várias políticas que regulam a informação no Estado brasileiro a luz da legislação e das estruturas organizacionais e sistemas que as implementam, em especial analisando a questão do acesso à informação governamental como base da transparência do Estado.

 

2. ESTADO E INFORMAÇÃO

 

“O Estado moderno constitui-se numa das maiores e mais importantes fontes de informação, além de requisitar uma grande quantidade destas para sua atuação. Seu complexo funcionamento relaciona-se diretamente com a sua ação produtora, receptora, ordenadora e disseminadora de informações. O objeto do Estado seria, em última instância, o cidadão em suas variadas demandas, inclusive aquelas de natureza informacional”. (JARDIM, 1999, p.29)

Para o Estado liberal a informação carecia de relevância jurídica: a liberdade era garantida com a simples proibição de censura prévia. Nos Estados democráticos modernos é fundamental a interação com a sociedade civil e o regime jurídico da informação converte-se em um aspecto essencial do exercício da soberania pela coletividade.

Desse modo, conforme afirma Jardim (1999, p.69) “a informação adquire a relevância jurídica de que carecia porque suas qualidades e as condições nas quais deve dar-se sua circulação e posse repercutem na forma e alcance da participação da sociedade na tomada de decisões sobre assuntos que a afetam”.

Assim, o acesso à informação governamental nos Estados democráticos modernos encontra, a partir dos anos 70, diversas formas de expressão traduzidas essencialmente por duas noções: transparência administrativa e direito à informação.

O controle do capital informacional do Estado passa a ser um fator decisivo para a produção e a reprodução da hegemonia. Os usos e não-usos da informação influem na maneira pela qual são constituídos os núcleos e redes de poder no Estado.

            Segundo Jardim (1999, p.47), “o controle do capital informacional se exerce não apenas pelo quantum de informação acumulada, mas pelos usos e não usos desse capital, implicando em diversos graus de transparência e opacidade”, e acrescenta ainda:

O contexto onde se realiza a transparência do Estado pressupõe:

o direito de acesso a documentos administrativos

o direito de acesso à motivação dos atos administrativos

o direito de participação

O termo acesso relaciona-se a um direito, mas também a dispositivos que o viabilizem, ou seja, um conjunto de procedimentos e condições materiais que permitam o exercício efetivo desse direito.

Alguns desses dispositivos, de expressão universal, são encontrados, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, publicada em 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em seu artigo 19 que estabelece: “Todo individuo tem direito à liberdade de opinião e de expressão (...) e de procurar, receber e difundir, sem considerações de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão”.

Também a Encíclica Pacem in Terris, de 1963, proclama em seu parágrafo 5º - “Todo ser humano tem direito à liberdade na pesquisa da verdade (...) tem direito também à informação verídica sobre os acontecimentos públicos”.

            A Constituição Brasileira, promulgada em 1988, não poderia deixar de contemplar em seu texto os esforços que a sociedade vem empreendendo nos últimos anos em direção à supremacia do seu Estado, à transparência, à conquista da cidadania e à liberdade e, especialmente, à garantia do direito de acesso à informação, estabelecendo em seu artigo 5º inciso XIV – “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”; e ainda no inciso XXXIII “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.(BRASIL, 1988).

Por outro lado, as possibilidades de aplicação dos instrumentos jurídicos são socialmente seletivas, atendendo às demandas de um círculo limitado de cidadãos familiarizados com a administração e seus procedimentos.

Ao analisar rapidamente alguns diapositivos legais que regulam a informação e a gestão documental no Brasil, observa-se a ausência de consolidação e interação entre esses instrumentos, além da falta de clareza dos conceitos expressos em algumas definições.

Outra questão que dificulta o pleno cumprimento da legislação traduz-se pela fragilidade das estruturas organizacionais responsáveis pela sua aplicação e fiscalização, favorecendo a reprodução da opacidade informacional, em contraposição ao discurso de transparência que as administrações reiteram ao longo dos últimos governos.

 

3. LEGISLAÇÃO, ESTRUTURAS E SISTEMAS

 

3.1 Tratamento da informação nas instituições brasileiras

 

Os documentos arquivísticos produzidos pela administração pública são indispensáveis à sua sobrevivência e operações. Assim, as demandas de funcionamento e coesão da administração pública justificam os seus serviços de informação arquivística.

“Os arquivos expressam o conjunto de informações orgânicas, quaisquer que sejam sua data de produção, seu suporte material, sua natureza, acumuladas por uma organização (ou pessoa física), em decorrência de suas ações”. (JARDIM, 1999, pág 30)

A maioria dos programas da Sociedade da Informação em diversos países privilegia quatro formas de inserção dos arquivos no conjunto de suas ações: (CONARQ, 2001)

·        democratização da informação arquivística como estratégia para ampliação da transparência do Estado e seu controle pela sociedade;

·        democratização do acesso à Internet através dos arquivos públicos (em especial no caso dos países em desenvolvimento);

·        digitalização dos acervos arquivísticos de forma a ampliar seu uso social através de redes de informação;

·        preservação de documentos eletrônicos, considerando a memória coletiva na sociedade da informação.

No contexto do Programa Sociedade da Informação no Brasil, a comunicação de conteúdos já é objeto da ação do Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, que vem desenvolvendo iniciativas no sentido de criar mecanismos padronizadores para garantir a troca de informações, além de promover estudos e discussões através de câmaras técnicas, comissões especiais e grupos de trabalho.

O tratamento da informação compreende duas partes: a análise documental e a manutenção documental. A análise documental desdobra-se em registrar e classificar. A manutenção documental compõe-se de ordenar, conservar, recuperar e difundir.

Inicialmente, os arquivos são conservados por seu valor primário (administrativo, legal, financeiro ou probatório), estando a gestão da informação diretamente relacionada ao processo político decisório da organização que a produziu. Em seguida, sua conservação justifica-se por seu valor secundário – de testemunho ou de informação geral - sendo residual sua inserção no processo decisório.

            O gerenciamento da informação arquivística pressupõe o controle dessas etapas, através da formulação e implementação de políticas públicas.

O CONARQ, em proposição encaminhada ao Ministério da Ciência e Tecnologia expressa sua preocupação com a "necessidade de se planejar, implementar e operar grandes aplicações de tecnologias de informação e comunicação" (CONARQ, 2001), entendendo que as mesmas devem ser acompanhadas de postura semelhante na gestão da informação arquivística produzida e requisitada pelo processo decisório governamental, condição para a transparência e "accountability".

“As ações integrando gestão da informação e gestão das tecnologias da informação – como mostra a experiência internacional – são indissociáveis, sob pena de se construir uma sofisticada arquitetura tecnológica com escassos níveis de conteúdo informacional” (CONARQ, 2001).

 

 

 

 

 

3.2 Regulamentação dos arquivos

 

Os arquivos têm uma singularidade na área de documentação e informação, pois se articulam em âmbito nacional de forma sistêmica e com instrumentos legais e normativos próprios.

A lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos, estabelece, em seu artigo 1º, que “é dever do Poder Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivo, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação”.

No que tange ao direito de acesso à informação governamental, a mesma lei consolida os princípios estabelecidos na Constituição, estabelecendo em seu artigo 4º que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos” e, ainda, em seu artigo 22: “é assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos”. (BRASIL, 1991).

            Por esta lei foram também criados o Sistema Nacional de Arquivos (SINAR) e o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), órgão central do Sistema, que tem por finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e privados.

Integram o SINAR todos os arquivos públicos do país, isto é, os arquivos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em nível federal, estadual e municipal, bem como os de pessoas físicas e jurídicas de direito privado que a ele se filiem mediante convênio.

            Ainda, em seu artigo 18, delega competência ao Arquivo Nacional para “realizar a gestão e o recolhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Executivo Federal, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda, além de acompanhar e implementar a política nacional de arquivos”. (BRASIL, 1991)

            Nota-se aqui a restrição ao recolhimento de documentos produzidos pelos Poderes Legislativo e Judiciário, se contrapondo ao artigo anteriormente citado.

            O CONARQ, por intermédio de suas câmaras técnicas, comissões especiais e grupos de trabalho, constituídos por renomados profissionais da área, é responsável pela elaboração de decretos regulamentadores da Lei de Arquivos, com destaque para os relativos à classificação de documentos sigilosos, à transferência e recolhimento de acervos públicos, à destinação de arquivos permanentes de empresas públicas em processo de desestatização e à declaração de interesse público e social de arquivos privados,

Essas competências estão claramente definidas pelo Decreto nº 4.073, de 3 de janeiro de 2002, que regulamenta a Lei nº  8.159, em seu artigo 1º: “o Conselho Nacional de Arquivos - CONARQ, órgão colegiado, vinculado ao Arquivo Nacional, criado pelo art. 26 da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991, tem por finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e privados, bem como exercer orientação normativa visando à gestão documental e à proteção especial aos documentos de arquivo”. (BRASIL, 1991)

No que concerne à consolidação das estruturas organizacionais responsáveis pela aplicação desses preceitos, o Decreto 4.073 delega ao CONARQ competência para “estabelecer diretrizes para o funcionamento do Sistema Nacional de Arquivos - SINAR, visando à gestão, à preservação e ao acesso aos documentos de arquivos”. (BRASIL, 2002)

Entretanto, observa-se aqui uma sobreposição de competências ao atribuir ao SINAR, em seu artigo 10, a finalidade de “implementar a política nacional de arquivos públicos e privados, visando à gestão, à preservação e ao acesso aos documentos de arquivo”, competência esta atribuída anteriormente ao Arquivo Nacional pela Lei 8.159 e não revogada.

Se considerarmos que o SINAR foi concebido como sistema e não como estrutura organizacional, a falta de clareza quanto à atribuição de competências, ora ao CONARQ, ora ao Arquivo Nacional, ora ao SINAR – como se instituição fosse – gera reflexos profundamente negativos na consecução dos objetivos estabelecidos, bem como na própria aplicabilidade da lei.

 

3.3 Regulamentação da informação

 

No que diz respeito ao direito de acesso à informações não arquivísticas produzidas no âmbito governamental e de interesse público, a legislação brasileira apresenta, também, contradições que, se bem observadas, demonstram a falta de consolidação dos princípios e instrumentos que regulam esse direito.

A Lei 8.159 reafirma o acesso à informação governamental como um princípio democrático, prevendo várias categorias de sigilo em consonância com as experiências dos países mais democráticos. Após um longo debate envolvendo setores da sociedade civil e do Estado, a regulamentação sobre o acesso e sigilo dos documentos públicos foi efetivada em janeiro de 1997 com a aprovação do Decreto 2.134 pela Presidência da República.

            Também a Lei nº 9.507, de 12 de novembro de 1997 que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data estabelece em seu artigo 1º, parágrafo único: “considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações”. (BRASIL, 1997)

            Entretanto, todo este esforço e suas implicações na construção de políticas de transparência do Estado, acabou por ser abortado pelo Decreto 4.553 de 27 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal.

No seu artigo 2º considera como “originariamente sigilosos” e “como tal classificados, dados ou informações cujo conhecimento irrestrito ou divulgação possa acarretar qualquer risco à segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas”. (BRASIL, 2002)

E estabelece ainda em seu parágrafo único que “o acesso a dados ou informações sigilosos é restrito e condicionado à necessidade de conhecer”. (BRASIL, 2002)

Um dos principais obstáculos à transparência do Estado, criado pelo Decreto nº 4553, encontra-se na ampliação dos prazos de classificação de documentos públicos considerados sigilosos. Não bastasse a ampliação dos prazos, o novo decreto prevê, para os documentos ultra-secretos, a renovação indefinida da sua classificação, "de acordo com o interesse da segurança da sociedade e do Estado”. (BRASIL, 2002)

Mais adiante, observa-se a falta de clareza conceitual ao tratar dados e informações com referência aos processos de tratamento documental, ou seja, trata-se do conteúdo com referência ao suporte ou vice-versa.

Em seu artigo 3º trata da produção, manuseio, consulta, transmissão, manutenção e guarda de dados ou informações sigilosos observando medidas especiais de segurança.

O capítulo III do Decreto nº 4.553 refere-se à gestão de dados ou informações sigilosos e descreve na Seção I os procedimentos para classificação de documentos, dispondo em seu artigo 30: “os documentos sigilosos serão mantidos ou guardados em condições especiais de segurança, conforme regulamento”. (BRASIL, 2002)

Observa-se que a aplicabilidade desse instrumento está diretamente relacionada à condições estruturais que, na maioria das instituições públicas, não são encontradas em conformidade aos ditames legais, embora em seu artigo 50 determine que: “aos titulares dos órgãos e entidades públicos e das instituições de caráter público caberá a adoção de medidas que visem à definição, demarcação, sinalização, segurança e autorização de acesso às áreas sigilosas sob sua responsabilidade”. (BRASIL, 2002)

Outro ponto discutível pode ser destacado levando-se em conta os recursos humanos responsáveis diretamente pela elaboração de procedimentos e aplicação dos instrumentos, e cuja competência é estabelecida pelo seu artigo 3º parágrafo único: “toda autoridade responsável pelo trato de dados ou informações sigilosos providenciará para que o pessoal sob suas ordens conheça integralmente as medidas de segurança estabelecidas, zelando pelo seu fiel cumprimento”. (BRASIL, 2002)

E prevê ainda em seu artigo 35: “as entidades e órgãos públicos constituirão Comissão Permanente de Avaliação de Documentos Sigilosos - CPADS”.

Mais uma vez observa-se a contraposição de competências quando analisamos a edição do decreto nº 3.505, de 13 de junho de 2000, que institui a Política de Segurança da Informação nos órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

Em seu artigo. 3º  estabelece como objetivos da Política da Informação, entre outros:

“I - dotar os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal de instrumentos jurídicos, normativos e organizacionais que os capacitem científica, tecnológica e administrativamente a assegurar a confidencialidade, a integridade, a autenticidade, o não-repúdio e a disponibilidade dos dados e das informações tratadas, classificadas e sensíveis;

II - eliminar a dependência externa em relação a sistemas, equipamentos, dispositivos e atividades vinculadas à segurança dos sistemas de informação;

III - promover a capacitação de recursos humanos para o desenvolvimento de competência científico-tecnológica em segurança da informação”. (BRASIL, 2000)

Essa sobreposição de competências e atribuições fica mais evidente ao instituir em seu artigo 6º  “o Comitê Gestor da Segurança da Informação, com atribuição de assessorar a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional na consecução das diretrizes da Política de Segurança da Informação nos órgãos e nas entidades da Administração Pública Federal, bem como na avaliação e análise de assuntos relativos aos objetivos estabelecidos neste Decreto”. (BRASIL, 2000)

Em seu artigo 4º o decreto nº 3.505 delega competência à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional, assessorada pelo Comitê Gestor da Segurança da Informação, para adotar as seguintes diretrizes, entre outras:

·        propor regulamentação sobre matérias afetas à segurança da informação nos órgãos e nas entidades da Administração Pública Federal;

·        orientar a condução da Política de Segurança da Informação já existente ou a ser implementada;

Observa-se que esses objetivos estão, de certo modo, definidos anteriormente como sendo de competência do CONARQ, cujas atribuições acabam por se confundir com as competências do Comitê Gestor da Segurança da Informação, reportado ao Conselho de Defesa Nacional, no que diz respeito às questões relativas a gestão documental e à segurança dos sistemas de informação.

Ao estabelecer como competência da Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional também o estabelecimento de normas relativas à implementação da Política Nacional de Telecomunicações, inclusive sobre os serviços prestados em telecomunicações, o decreto nº 3.050 contradiz o estabelecido na Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984, que dispõe sobre a Política Nacional de Informática.

Em seu artigo 7º, a referida Lei delega competência ao Conselho Nacional de Informática e Automação para:

“I - assessorar o Presidente da República na formulação da Política Nacional de Informática”. (BRASIL, 1984)

E ainda:

“XV - propor ao Presidente da República o encaminhamento ao Congresso Nacional das medidas legislativas complementares necessárias à execução da Política Nacional de Informática”. (BRASIL, 1984)

A Lei nº 7.232 considera, em seu artigo 3º, atividades de informática “aquelas ligadas ao tratamento racional e automático da informação” e estabelece, ainda, em seu artigo 2º os objetivos a serem alcançados “em proveito do desenvolvimento social, cultural, político, tecnológico e econômico da sociedade brasileira, atendidos os seguintes princípios:

I - ação governamental na orientação, coordenação e estímulo das atividades de informática;

II - participação do Estado nos setores produtivos de forma supletiva, quando ditada pelo interesse nacional, e nos casos em que a iniciativa privada nacional não tiver condições de atuar ou por eles não se interessar;

III - intervenção do Estado de modo a assegurar equilibrada proteção à produção nacional de determinadas classes e espécies de bens e serviços bem assim crescente capacitação tecnológica;

IV - proibição à criação de situações monopolísticas, de direito ou de fato;

V - ajuste continuado do processo de informatização às peculiaridades da sociedade brasileira”. (BRASIL, 1984)

Mais uma vez, observa-se a preocupação da Administração Pública com relação ao sigilo de informações, novamente referindo-se ao estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais quando propõe:

“VIII - estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e técnicos para a proteção do sigilo dos dados armazenados, processados e veiculados, do interesse da privacidade e de segurança das pessoas físicas e jurídicas, privadas e públicas” (BRASIL, 1984).

Embora essa lei tenha sido promulgada em 1984, os regulamentos posteriores não revogaram ou sequer fizeram referência a essas questões ao tratar do sigilo de informações, como se observa nos textos do decreto nº 3.505, promulgado em 2000, ou da Lei 4.554 de 2002.

Do ponto de vista estrutural, a Lei 7.232 confere ao Conselho Nacional de Informática um status jamais alcançado pelo Conselho Nacional de Arquivos ao alterar o texto do artigo 32 do Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, que passou a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 32. A Presidência da República é constituída essencialmente pelo Gabinete Civil e pelo Gabinete Militar. Também dela fazem parte, como órgãos de assessoramento imediato ao Presidente da República:

..........

X - o Conselho Nacional de Informática e Automação”. (BRASIL, 1984)

A partir da obtenção desse status por mecanismo legal, desenvolveu-se a cultura da informática no país, em especial na Administração Pública que, ao longo da última década, supervalorizou os recursos tecnológicos em detrimento dos conteúdos informacionais relegados aos arquivos tradicionais como de menor expressão.

 

3.4 Regulamentação da informação eletrônica

 

O avanço acelerado das tecnologias de informação – TIs observado nas últimas duas décadas gerou profundas mudanças nos processos de trabalho das instituições públicas e privadas e na suas relações com a sociedade.

O documento eletrônico, a transmissão eletrônica de informações, a comunicação em tempo real são realidades consolidadas na vida da sociedade moderna, baseados em sistemas estruturados de email, ecomerce, ebusiness, egov entre outros.

A velocidade com que essas tecnologias permeiam todos os setores das atividade humana atualmente, esbarra muitas vezes na falta de regulação de princípios e no estabelecimento de instrumentos legais que garantam não só a segurança das transações, como também da inviolabilidade dos sistemas.

            Desde 1996 tramita no Congresso Nacional projeto de lei que visa regulamentar e disciplinar o arquivamento em meio eletrônico de informações, dados, imagens e quaisquer outros documentos.

O Projeto de Lei nº 22/96 prevê, em seu artigo 2º, que “a integridade, autoria e confidencialidade dos documentos arquivados em meio eletrônico serão assegurados pela execução de procedimentos lógicos, regras e práticas operacionais, bem como pelo atendimento dos requisitos e padrões correntes em tecnologia da informação, mediante assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora – AC credenciada na Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil” (BRASIL, 1996).

Com uma abordagem bastante moderna e atentando para o estabelecimento de princípios que flexibilizem ao máximo a introdução de novas tecnologias, esse projeto não deixa de se reportar à Lei de Arquivos, quando prevê, em seu artigo 8º, “naquilo que não contrariar o disposto nesta Lei, aplica-se subsidiariamente ao arquivamento de documentos em meio eletrônico a Lei 8.159 de janeiro de 1991 e seu regulamento” (BRASIL, 1996).

Por outro lado, visando atender à demanda emergente das instituições e em vista da morosidade com que esse projeto vem tramitando pelo Congresso, as ações mais urgentes passam a ser implementadas através de medida provisória ou de regulamentos institucionais que vão aos poucos disciplinando a matéria e criando imensa jurisprudência, muitas vezes contraditória nos seus conceitos e definições.

A Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, estabelecendo em seu artigo 1º: “fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras” (BRASIL, 2001).

Note-se que a função de autoridade gestora de políticas de segurança foi delegada ao Comitê Gestor da ICP-Brasil pelo Decreto 3.505, de 13 de junho de 2002.

 

4. CONCLUSÃO

 

Após dezesseis anos, os princípios constitucionais que favorecem a transparência do Estado continuam longe de serem implantados. O emaranhado legal forma uma imensa rede burocrática e interdita o Estado ao cidadão comum, enquanto amplia as facilidades e oportunidades para a manutenção do poder restrito a um circulo privilegiado e favorecendo a prática da corrupção.

Embora constatando que o Brasil avança a passos largos no uso das novas tecnologias de informação, vivemos em um cenário onde as políticas públicas de informação não existem ou são, na melhor das hipóteses, equiparadas à infra-estrutura tecnológica governamental.

Daí a se confundir inclusão digital com inclusão informacional é muito fácil, ampliando, de forma sutil, o fosso entre o cidadão e o Estado.

Historicamente presente nos momentos autoritários, a opacidade do Estado brasileiro encontra-se minimizada nos períodos democráticos. Porém, ainda ocupa espaço periférico nos debates sobre o governar e o ser governado.

Faltam políticas públicas de informação como fator de qualidade do processo político decisório e instrumento da cidadania no controle das ações do Estado.

E não se pode relegar a busca pela transparência do Estado às boas intenções dos aparatos jurídicos e às esperanças no poder das tecnologias da informação. A exigência do estabelecimento de políticas públicas de informação governamental vem aos poucos emergindo da sociedade, como principal meio para a consolidação definitiva dos princípios democráticos.

           

 

 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

JARDIM, José Maria. Transparência e Opacidade do Estado no Brasil: usos e desusos da informação governamental. Niterói: EdUFF, 1999.

_______, Sistemas e Políticas Públicas de Arquivos no Brasil. Niterói: EdUFF, 1995

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1979.

CONARQ. SUBSÍDIOS PARA INSERÇÃO DO SEGMENTO DOS ARQUIVOS NO PROGRAMA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO NO BRASIL (Proposição encaminhada ao Ministério da Ciência e Tecnologia em julho de 2001). Disponível em www.arquivonacional.gov.br. Acessado em 30.07.2003.

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal. Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 12.01.2001.

_______. Congresso Nacional. Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991 (Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências). Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 12.01.2001.

_______. Presidência da República. Decreto nº 2.134, de 24 de janeiro de 1997 (Regulamenta o artigo 23 da Lei n.8.159, de 8 de janeiro de 1991, (Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados). Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 06.01.2002.

_______. Presidência da República. Decreto n 4.073, de 03 de janeiro de 2002 (Regulamenta a Lei n.8.159, de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados). Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 10.07.2003.

_______. Presidência da República. Lei nº 9.507, de 12 de novembro de 1997 (Regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data). Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 10.07.2003.

_______. Presidência da República. Decreto n.4.553, de 27 de dezembro de 2002 (Dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal, e dá outras providências). Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 10.07.2003.

_______. Presidência da República. Decreto nº 3.505, de 13 de junho de 2000 (Institui a Política de Segurança da Informação nos órgãos e entidades da Administração Pública Federal). Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 10.07.2003.

_______. Congresso Nacional. Lei n.7.232, de 29 de outubro de 1984 (Dispõe sobre a Política Nacional de Informática, e dá outras providências). Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 10.07.2003.

_______. Presidência da República. Medida Provisória n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 (Institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, transforma o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras providências. Disponível em www.presidencia.gov.br/ccivil. Acessado em 10.07.2003.

 



*Especialista em Arquivologia (UNEB) – Instituto de Ciência da Informação - UFBA