RESUMO: O presente relato parcial de pesquisa tem como objetivo investigar o debate relacionado a algumas tendências sociais e econômicas do novo milênio, que apontam com uma certa clareza para o fenômeno da globalização sem, contudo, demonstrar uma uniformidade mínima de discurso para com sua cara-metade: a regionalização. Esta tem sido tratada ora de forma ingênua, quando associada aos blocos econômicos mundiais, ora de forma fantasiosa, quando prometida como uma forma de recompensa pelas mazelas decorrentes da globalização. Neste contexto, percebe-se atualmente no ambiente acadêmico uma certa expectativa em relação ao que pretensamente será a "TV Regional", que o presente artigo buscará analisar a partir dos conceitos de regionalização, globalização e televisão, entre outros. O texto conclui com uma proposta que entrelaça Produção, Exibição (“broadcast”) e Conteúdos audiovisuais como elementos centrais para a compreensão do caso brasileiro de regionalização da televisão.
Palavras-chave: Globalização; Regionalização; Televisão Regional; Produção; Audiovisual.
REGIONAL TV AND GLOBALIZATION: This paper tends
to investigate the debate that consider some of the most important social and
economical tendencies of the new century, that focuses with kind of brightness
to the globalization phenomena, but with not enough definition to its better
half: the regionalism. This is often shown in a ingenuous way, when combined to
the worldwide economic blocs, like Europe Union or NAFTA, or in a fantasy way,
when comes like a promise to repair the illness of globalization. So, it’s
nowadays perceptual at academic sphere a certain expectancy about what is,
after all, the “Regional Television”, witch is been analyzed from concepts like
“regionalism”, “globalization” and “television”, among other things. It
concludes showing a propose that interlinks audiovisual “Production”, Broadcast
and Content as key concepts to understand the brazilian mode of television
regionalization.
O texto conclui com uma proposta que entrelaça Produção, Exibição (“broadcast”) e Conteúdos audiovisuais como elementos centrais para a compreensão do caso brasileiro de regionalização da televisão.
Keywords:
Globalization; Regionalization; Regional Television; Production; Audiovisual.
O termo "Regionalização" já não
explica muito, tantos são os usos dele feitos desde que, nas últimas décadas do
Século XX as transformações globais tomaram de assalto os cenários nacionais. O
debate travado em meio às tendências sociais e econômicas do novo milênio têm
apontado com uma certa clareza para o fenômeno da globalização sem, contudo,
demonstrar uma uniformidade mínima de discurso para com esta sua cara-metade.
Nosso interesse é analisar as diversas
possibilidades de regionalização a partir das proposições em voga nestes dias
dos anos iniciais do novo milênio. De alguma forma, todas se encontram
relacionadas ao fenômeno da globalização: alguns aspectos relacionados às
estruturas sócio-econômicas e outros relacionados à cultura. Por um ângulo, os
blocos regionais e empresas mercantis e, por outro, a cultura e as demandas
sociais.
No ambiente acadêmico brasileiro nota-se,
com efeito, uma certa expectativa em relação ao que pretensamente será a
"TV Regional". Metodologicamente, buscaremos aqui definições de
regionalização ligadas à globalização, haja vista as imbricações naturais
observáveis. Entretanto, pretendemos, também, investigar um elemento cultural
identificado freqüentemente como "local" e observar como ele se
institui e se torna demanda social. Este é o caso de muitos fenômenos
político-sociais que se contrapõem aos sistemas de mercado. Para realizar este
percurso do global/estrutural para o local/cultural, usaremos as noções de
democracia, característico dos estudos de política, e de capital social,
presente na noção de campo simbólico de Pierre Bourdieu.
Sobre a importância deste debate, basta
dizer que são diretas as relações deste tipo de comunicação com o
desenvolvimento social e econômico. Diversos autores tratam do assunto – como
RAMIREZ (2000), AZPILLAGA (2000) e o próprio BARBERO (2003), quando diz:
When it ceased
being a highly centralized medium, (...)it has been possible for Colombians to
see themselves from one corner of the country to the other, not only in its
diversified geography but in its different social classes and political points
of view (P. 92).
A palavra “globalização” não tem limites
muito precisos e sua compreensão depende do entendimento do analista. Tal pode
variar por diferenças pessoais, que podem ir desde o senso comum a conceitos
mais elaborados, capazes de observar criticamente o problema.
CHESNAIS (1996, p. 272) afirma que o
adjetivo “global” deve ser descortinado da ideologia que carrega. Segundo ele,
o termo surgiu no começo dos anos 80 nas escolas de administração
estadunidenses e, pelas mãos da imprensa especializada em economia se
popularizou com seus entornos imersos na ideologia liberal. Tais idéias tiveram
muita aceitação entre hábeis consultores e estrategistas de marketing, como
Michael Porter e K. Ohmae. Mas estes termos não são neutros. Segundo ele “a
palavra ‘mundial’ permite introduzir, com muito mais força do que o termo
‘global’, a idéia de que, se a economia se mundializou, seria importante
construir depressa instituições políticas mundiais capazes de dominar o seu
movimento”. Idéia que é também defendida por STIGLITZ (2002), renomado
economista-chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial na segunda metade da
década de 90 e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001, “a globalização
significa que existe um reconhecimento crescente de arenas cujos impactos são
globais. É nessas arenas que é necessária uma ação coletiva global - e sistemas
de governança global são essenciais”.
Sistemas de governança supranacionais são
sempre defendidos quando a questão são os efeitos maléficos da globalização. O
problema é que isto implicaria em uma interferência na autonomia política dos
Estados nacionais, o que seria problemático. Assim, todos querem os benefícios
dos mercados globais, mas não querem se sujeitar às condições necessárias ao
seu bom funcionamento.
SANTOS (2003, p.158) enxerga a
globalização como um fenômeno perverso, mas sua análise está mais concentrada
nos valores recriados pelo capitalismo. Para ele, "a globalização atual é
muito menos um produto das idéias atualmente possíveis e, muito mais, o
resultado de uma ideologia restritiva adrede estabelecida"
As concepções de globalização são bem
próximas para os mais diversos autores. IANNI (2002) analisa o que chama de
economia-mundo, um sistema social baseado em valores de mercado polarizados por
grandes agentes econômicos mundiais, "no sentido de que transcendem a
localidade e a província, o feudo e a cidade, a nação e a nacionalidade,
criando e recriando fronteiras, assim como fragmentando-as ou
dissolvendo-as". Tal foco deslocado ligeiramente vai mostrar, adiante, por
um novo ângulo, o que o autor chama de internacionalização do Capital, forma
pela qual, através da economia, os modernos estados-nação abrem as próprias
fronteiras para a interpenetração do capital. Aproximando o olhar, percebe-se
que esta abertura incondicional se deve à expectativa prometida de crescimento
econômico, necessidade da economia-mundo. Para que se realize, diversas ações
localizadas são (ou deveriam ser) necessárias para tornar os parceiros
"equiparados" comercialmente, em especial a reciprocidade de regras
de convivência comerciais, para que as empresas transnacionais tenham liberdade
de atuação dentro de realidades equivalentes.
Este sistema dinâmico empalidece os
contornos historicamente conferidos à noção de estado-nação e as torna
Interdependentes economicamente. Passam a ser dependentes da fluidez dos
capitais particulares das mega-corporações, empresas e conglomerados. Ganha
mais neste jogo de soma zero quem conseguir manter uma maior quantidade de
investimentos por mais tempo, fomentando a movimentação da economia e aquecendo
o sistema de mercado e, assim, gerando empregos e (teoricamente) crescimento
econômico e social.
O mundo capitalista teve, com suas
políticas do pós-guerra patrocinadas pelos Estados Unidos, trinta "anos
gloriosos" de desenvolvimento econômico, do pós-guerra até o fim dos anos
sessenta, acumulando taxas de crescimento elevadíssimas, confirmando a política
do "wellfare state", capaz de proporcionar crescimento econômico com
bem-estar social a partir de rigoroso controle do sistema econômico. Em crise
desde os anos 70, o capital precisa, a qualquer custo, se multiplicar e, para
isto, exige que condições sejam proporcionadas pelos governos. O estado do
bem-estar dependeu de que condições de crescimento fossem proporcionadas.
Agora, os Estados nacionais precisam, mais uma vez, permitir crescimento
econômico através da liberalização das barreiras que impedem que este capital
transite livremente.
Uma importante controvérsia do tema diz
respeito à capacidade que tem o desenvolvimento econômico de gerar
desenvolvimento social. Liberais e social-democratas não têm encontrado
consenso quanto à questão.
Os princípios democráticos têm sido
apontados como um caminho honesto a ser trilhado em busca de uma maior
aproximação com os problemas sociais contemporâneos. Não a democracia enquanto
normalização social ou conjunto de dogmas dos cientistas políticos, mas uma
democracia conceitual, em termos mais “puros”, envolvendo uma certa
“naturalização” das ciências sociais em busca de recuperar o fio da meada, o
“pecado original” da modernidade.
TOURAINE (1995, p. 361) entende que as
condições da democratização não se reduzem aos princípios de funcionamento da
democracia. Ele sustenta que “para muitos a democracia é definida pela
participação; para mim, ela é definida pela liberdade, pela criatividade dos
indivíduos e dos grupos”. Não se trata de afirmar que a sociedade liberal seja
a máscara de uma sociedade de repressão. Trata-se de questionar os princípios
democráticos ajustados às necessidades da atual sociedade liberal/capitalista.
Ele insurge com a afirmação: "a democracia não é o triunfo do povo, mas a
subordinação do mundo das obras, das técnicas e das instituições, à capacidade
criadora e transformadora dos indivíduos e das coletividades" (1995, p.
370). As análises de SANTOS (1995) vão decerto por este caminho. Ele argumenta
que o capitalismo não é criticável por não ser democrático, mas por não ser
suficientemente democrático.
Para PUTNAM (1996) a confiança é um
componente básico do capital social. E o capital social é a força motriz do
desenvolvimento social. O capitalismo sempre se apoiou no desenvolvimento
econômico e relegou a segundo plano uma gama de fatores de determinante
importância social. Há tempos se percebe que o desenvolvimento social não é uma
conseqüência natural do desenvolvimento econômico. É certo que não há um sem o
outro, mas esta relação é mais complexa do que parece. Segundo KLIKSBERG (2000,
p. 6) “há em curso uma reavaliação integral das relações entre crescimento
econômico e desenvolvimento social. Na visão convencional se supunha que,
alcançando taxas significativas de crescimento econômico, o mesmo se
‘derramaria’ sobre os setores mais desfavorecidos e os tiraria da pobreza.
Assim, crescimento seria, ao mesmo tempo, desenvolvimento social” (Tradução
nossa).
Desta forma, a noção de cultura é cada
vez mais importante para a análise do crescimento social. Importante por sua
força natural, inaugural do ser humano em comunidade. Em sua análise cabem os
aspectos - atualmente em voga - dos capitais disponíveis em um determinado campo
social, como ensina Pierre Bourdieu. Os mais conhecido são o financeiro, o
humano e o material (físico). Nos interessa aqui o conceito de “capital
social”, que COLEMAN (1988) analisa por três ângulos diferentes:
"obligations and expectations", que traduzimos como obrigações e
expectativas, mas que reconhecemos aqui a presença da confiança (pessoal e
institucional), da solidariedade e da reciprocidade; "information
channels", que traduzimos como acesso a informações, e "social norms",
traduzido aqui como normas sociais, nas quais incluímos os valores, normas e
princípios morais e sociais.
Compreensivelmente, a comunicação opera
tanto no nível do cooperativismo e da solidariedade, dos motivos altruístas,
quanto no nível do mercado, dos motivos egoístas (SAHLINS apud LANIADO, 2000).
Por outro lado, os mais básicos axiomas da comunicação humana são 1º. Não se
pode não comunicar e 2º. A comunicação tem conteúdo (mensagem) e relação
(metacomunicação) (WATZLAWICK, 1993). Enquanto a reciprocidade positiva sustenta-se
a partir da solidariedade e do cooperativismo, a reciprocidade negativa está
baseada no sistema de trocas.
Uma primeira abordagem da questão do
regionalismo é de que trata-se de um processo político supra-nacional pelo qual
se organizam os estados diversos em busca de a) criação de comunidades
regionais de desenvolvimento e b) criação de zonas de livre comércio entre os
mesmos. Em ambos estes casos o que está em jogo é o fator nacional-geográfico
operando as novas determinações econômicas em nível mundial-global.
Uma segunda abordagem diz respeito ao
processo político-cultural endógeno, geralmente infra-nacional, em que partes
não determinadas de espaços políticos e geográficos se reconhecem enquanto
identidade.
Para IANNI (1996) o agrupamento dos
Estados nacionais em regiões não podem ser considerados uma novidade, uma vez
que diversos debates têm tomado lugar desde o término da Segunda Guerra, em
iniciativas destinadas a equacionar e implementar projetos de integração
regional.
Quando se busca uma referência do que vem
a ser “regional” apresenta-se imediatamente uma equivalência entre o “regional”
e o “local”. Aparentemente esta diferenciação esvazia a discussão entre global
e regional, uma vez que desvincula o “regional” da sua nova significação dada
pela modernidade-mundo, da oposição ao “global”. A questão é que o
“regionalismo” tem sido apresentado como um subproduto do “globalismo”, o que
estampa um eufemismo global.
CANCLINI afirma de forma vaga na
introdução de A Globalização Imaginada (2003, pág. 7), que os países se
empenham "por se integrarem em regiões para se protegerem da
globalização". Ele não desenvolve
o tema, mas, como pensa, o regionalismo teria um significado passivo,
divergente da proposta do desenvolvimento econômico. Próximo disto, IANNI
(2001) vai dizer que sob certos aspectos, a regionalização pode ser uma técnica
de preservação dos interesses “nacionais” por meio da integração.
ORTIZ (1999) diz ainda sobre os níveis
local, nacional e global, em uma análise que não opõe o “Local” ao “nacional” e
ao “global”, sendo esta uma falsa questão, uma vez que o local se constitui uma
unidade coesa, sendo mais correto, portanto, falar de “locais”, no plural. Já o
“nacional” está intimamente ligado a um espaço amplo com contornos políticos
definidos e tradição institucional sólida. Assim, o “nacional” engloba,
portanto, os “locais”, podendo, por sua vez, a uma região, abrigar mais de um
Estado-nação, como é o caso da União Européia.
Como ponto de partida, propomos a
definição de BENKO (2000, p. 50), que afirma que “o conceito de local e de
global (...) não é apenas uma oposição entre os objetos de estudo, mas uma
oposição de métodos. O ‘meio local’ (região ou país) é caracterizado por uma
‘personalidade regional’, possui características físicas e humanas,
instituições e uma atmosfera. Na base dessa personalidade, uma região acha-se
em relação mais ou menos benéfica com outras regiões”. Logo, não se trata de
analisar os aspectos políticos da questão – se supra-nacional ou infra-nacional
– mas de explicar as estruturas internas de um espaço e suas relações com
outros espaços. Este é o debate onde se encontra presente a questão do
desenvolvimento endógeno, muito debatido nas décadas de 1970 e 1980, que
defende o crescimento econômico como forma de manifestação particular de uma
determinada sociedade, ao contrário do desenvolvimento promovido por fatores
externos, tão caro ao capitalismo globalizado.
A finalidade dos blocos econômicos pode
ser analisada a partir dos seus objetivos. É intrigante perceber que o
regionalismo nem sempre está acompanhado, nos discursos dos oficiais da
globalização, do tema do desenvolvimento regional endógeno. Tanto isto é
verdade que os maiores exemplos que se podem tomar a respeito do regionalismo
são os blocos econômicos dos países desenvolvidos. Nelas, estão previstas,
inclusive, subvenções e políticas regionais para diminuir desigualdades
regionais, como é o caso da União Européia. No caso específico do Mercosul, por
exemplo, a situação é oposta. Não há qualquer dispositivo para auxiliar as
regiões ao se integrarem. Analistas afirmam, inclusive, que é um dos fatores
que desestimulam um melhor aproveitamento do bloco sul-americano, uma vez que a
sua integração se dá somente a partir do alinhamento ou retirada de barreiras
alfandegárias. Desta forma, a proposta de desenvolvimento global nunca poderá
ser verdadeira, dada a situação inicial de desigualdade.
Para ACHUGAR e BUSTAMANTE (1996, p.127),
“a discussão em torno do Mercosul tem girado em torno de dois modelos: enquanto
um supõe a construção de uma zona de livre comércio, o outro fala de uma
integração regional. O primeiro modelo está mais perto do implantado no TLC ou
NAFTA enquanto o segundo se assemelharia à integração da Comunidade Européia”.
Pode tanto ser uma proposta de região de
livre comércio internacional ou de região de integração social supranacional.
MEDEIROS (2003, p.154) afirma que a “supranacionalidade introduzida na arena
européia pela Alta Autoridade da CECA não encontra paralelo nem no cenário da
integração latino-americana, em geral, nem no do Mercado Comum do Sul, em
particular.
A TV regional é um fenômeno quase
desconhecido dos brasileiros. Próximo a ele, ainda hoje temos as rádios livres,
quase sempre rotuladas pela alcunha de “piratas”, motivo de acalorados debates
entre os interessados no assunto. Sobre TVs “piratas”, é sensato imaginar que
existam, muito embora tais notícias não façam parte do dia-a-dia dos envolvidos
com o tema da comunicação social, nem mesmo na imprensa especializada. No
Brasil, talvez não seja muito sensato pensar nesse tipo de emissora, dados os
preços altos de equipamentos para esta finalidade. As rádios comunitárias
aparentemente fizeram a suplência desta demanda social (freqüentemente chamada
de democratização das comunicações). Se for necessário lançar mão do
audiovisual, a solução é buscar abrigo na TV a cabo, que dispõe de espaço para
ações comunitárias e sociais.
Seria razoável imaginar, também, uma TV
regional sendo uma afiliada de uma das maiores redes de televisão, porém
localizada em uma região distante e pouco habitada, como uma emissora na cidade
de Sinop, no norte de Mato Grosso ou em Redenção, no sudeste do Pará. Vêm à
mente, por outro lado, redes regionais coligadas de grandes redes nacionais,
mas, raramente, uma TV “pirata”, “livre” ou simplesmente independente das
grandes redes, como de fato acontece nos países Europeus há vários anos.
Segundo CÁDIMA (2000, p. 68), “as
primeiras experiências de televisão nas regiões européias, correspondem de
facto à fase de ‘descentralização centralizada’ – a abertura de janelas
horárias” para a programação local. “Nos anos 70/80 assiste-se já à plena
autonomização de canais regionais e também à pulverização dos sistemas audiovisuais
com o fenômeno das televisões locais”. Segundo o mesmo autor, a Itália tinha,
em 1982, mais de mil estações inscritas no Ministério das Comunicações, das
quais foram autorizadas 462 em 1994. Em 2000, o Estado espanhol contava com
mais de 600 destas inscrições e na Grécia operavam mais de 100 estações
ilegais.
CHALABY (2002) afirma que desde os anos
80 dois importantes fenômenos vêm redefinido as relações existentes entre a
televisão européia com os Estados-nação: um processo de transnacionalização e,
no outro extremo, um processo de descentralização das televisões em níveis
infra-nacionais, fazendo emergir um complexo sistema de emissoras de TV
regionais.
Em tempos de globalização e
regionalismos, é sensato, também, perguntar a que tipo de manifestação corresponde
uma TV regional? Da mesma forma como não há consenso no tema regionalismo,
também não o há no tema regionalização da televisão. Alguns autores, como
BILTEREYST & MEERS (2000) ou BENITEZ (2003), analisam suas características
por critérios diversos, como, por exemplo, a análise de STRAUBHAAR (1984, p.
12) sobre os mercados regionais segmentados pelos idiomas em âmbito
supra-nacional. Ele afirma que a regionalização da televisão resulta em três
níveis de desenvolvimento: primeiro, que muitos sistemas televisivos nacionais
estão longe de serem dominados pelos sistemas internacionais; segundo, que um
grupo de países, dentre os quais o México e o Brasil, têm ido além da simples
produção para o mercado doméstico e exportado programas televisivos para mercados
tradicionalmente exportadores, como Estados Unidos e Europa; e terceiro, que os
sistemas televisivos sub-nacionais ou regionais estão em ritmo acelerado de
crescimento, respondendo a uma demanda local crescente por notícias e
informações locais. O exame serve de base para delinear padrões de mercado de
produtos televisivos segmentados pelo idioma, com uma supremacia
norteamericanos nos mercados de língua inglesa e dos mexicanos nos mercados de
língua hispânica, notadamente referentes à comunidade hispânica estadunidense.
Ele identifica três tipos de mercados destes produtos no âmbito
latino-americano: Cultural-lingüístico (transnacional), nacional e
sub-nacional, e denomina o primeiro de “regional”, afirmando que “in cultural
and linguistic terms, the U.S. Hispanic or Latino market is part of the Latin
American ‘regional’ market”.
Mas, que critérios fazem com que uma
emissora de TV possa ser considerada regional? Sua localização geográfica? A
ausência de participação em uma rede? A quantidade de comerciais ou a
quantidade de programas produzidos pelas afiliadas? A quantidade de comerciais
ou programas produzidos por cada afiliada? A qualidade destes programas? A
duração (tempo) destes programas? Seria regional uma emissoras tipificada pelo
seu financiamento (público, audiência ou publicidade comercial) ou pela sua
propriedade (estatal, privado, não governamental)?
As pergunta poderiam aumentar
incansavelmente, tantas são as variáveis disponíveis. Se consideradas as
diferenças culturais dos interessados no assunto, as variáveis se
multiplicariam mais. África do Sul e Austrália são dois países que pesquisam
atualmente projetos consistentes de sistemas regionais comerciais. Grande parte
dos países europeus busca um modelo de sistema privatizado descentralizado que
fomente o desenvolvimento social e econômico das regiões. Países
latino-americanos procuram efetividade na comunicação com as suas comunidades
sub-desenvolvidas através das televisões regionais.
WILSON (2003) se pergunta se,
relativamente à regulação das atividades de teledifusão australianas, a
natureza do serviço local de TV está relacionada à propriedade local, produção
local ou financiamento local? Vai além e indaga o que faz com que o conteúdo
seja local: quem produz, aonde é produzido ou a relevância local do tema (se
produzido fora da região ou por estrangeiro)?
A tradição européia tem encontrado formas
de caracterizar suas emissoras regionais.
LÓPEZ (1998, p. 7) aponta que o termo “TV regional” na tradição européia
se refere, principalmente, às emissoras desvinculadas dos centros regionais
pertencentes a cadeias estatais (geralmente públicas), e afirma que houve uma
grande proliferação de televisões independentes nos anos 80 e 90 com cobertura
eminentemente regional. Em outra oportunidade, o mesmo LÓPEZ (2000, p. 172)
tece considerações sobre o conceito de “televisão de proximidade”, termo que
engloba as noções de TV local e TV regional, popularizado na França de
princípios dos anos 90 a partir da estratégia de descentralização do canal France
3, que ele define como a que “se dirige fundamentalmente a uma comunidade
humana de tamanho médio a pequeno, delimitada territorialmente, com conteúdos
relativos a sua experiência cotidiana, a suas preocupações e problemas, seu
patrimônio lingüístico, artístico e cultural e sua memória histórica” (Tradução
nossa).
MUSSO (apud RAMIRES, 2000, p.19) diz que
devemos pensar em dois tipos de televisão regional-local, as do tipo ‘espelho’
(próprias da região) e as do tipo ‘janela’ que permitem uma análise sobre a
dupla relação 1) público-privado, em que o setor público continua a ter
importância política e regulatória e o privado a se responsabilizar pelo ímpeto
empreendedor e pelo domínio da técnica, e 2) nacional-local, em que a televisão
regional tem demonstrado empiricamente em muitos países que é capaz de abrandar
os malefícios da “megatelevisão”, se voltando para os interesses de suas
localidades.
Para o caso brasileiro, acreditamos ser
razoável observar o fenômeno da regionalização da televisão a partir das
possibilidades que nos oferecem tanto a produção como a distribuição
(“broadcast”) de conteúdos comunicacionais televisivos, acreditando que uma TV
regional teria como característica tais balisadores. Nossa tradição é a da
televisão em rede. Seus limites estão fortemente sustentados por um modelo
financiado pela publicidade comercial e uma legislação refratária à utilização
não comercial – tão rígida que as aberturas prováveis foram canalizadas para a
legislação de TV a cabo no ano de 1995, quando se criaram os canais básicos de
utilização gratuita, dentre os quais estão listados, entre outros, um canal
legislativo municipal/estadual, um canal reservado para a Câmara dos Deputados,
um canal reservado para o Senado Federal, um canal universitário, um canal educativo/cultural
e um canal comunitário.
A situação de praticamente monopólio da
Rede Globo de Televisão traz pelo menos um importante ponto a ser considerado
antecipadamente: o fato de ser ela além da mais importante exibidora (meio),
também a mais importante produtora nacional de conteúdos (emissor). Assim, para
a coesão social dos cidadãos brasileiros, o que significa regionalizar a
televisão, sua exibição ou a sua produção? É mais importante para a cultura
brasileira regionalizar a produção ou os temas produzidos (programação), mesmo
que produzidos por estrangeiros? E para a economia, é mais importante
regionalizar a programação (tempo da grade) ou a produção (aquecimento do
mercado de bens culturais)?
Sem querer apresentar uma resposta às questões acima mas no intuito de oferecer uma base para análise de cada situação, tratamos de pensar no cruzamento destas variáveis que consideramos mais importantes para o caso nacional, a saber, a exibição (operação de “broadcast”), a produção (realização dos programas) e a programação (a escolha/edição dos temas relevantes). Partindo do princípio que temos, para cada uma destas variáveis, uma polarização local/global, podemos nos deparar com o seguinte quadro de possibilidades analíticas:
BROADCAST |
produção local |
produção global |
GRADE DE PROGR. |
conteúdo local |
conteúdo global |
PROGRAMA |
conteúdo local |
conteúdo global |
distribuição local |
Operação local |
Retransmissão de afiliada |
distribuição local |
Difusão da cultura local |
Universalismo cultural |
produção local |
Programa local |
Programa panorâmico |
distribuição global |
Regionalização da produção |
Operação global |
distribuição global |
Regionalização conteúdos |
Difusão da cultura global |
produção global |
Programa focalizado |
Programa global |
1. Cruzando as variáveis de distribuição
local/global com as variáveis de produção local/global temos quatro situações
típicas. A distribuição local de produtos locais caracteriza uma situação
estável de canal de televisão local ou regional, para o qual não cabe falar em
regionalização, uma vez que já é regional. A distribuição global (no caso
brasileiro, em rede nacional) de produtos globais é uma situação de normalidade
que tem como exemplo típico a Rede Globo em exibição de produtos televisivos em
rede nacional. Para ser regionalizada, precisa mover-se em direção à operação
local passando pela produção local ou pela distribuição local. Ora, a situação
de distribuição local de produtos globais é exatamente o sistema de afiliação
presente na Rede Globo (uma afiliada que exibe a rede nacional). Não deixa de
ser regional, mas para uma sociedade que se busca regionalizar o caminho
precisa ser outro, mais precisamente a passagem pela produção local, que
estamos chamando aqui de “regionalização da produção”, da qual seria um exemplo
típico o Pólo de Teledramaturgia (POTE) na Bahia ou outro pólo de produção
cultural que tivesse a oportunidade de exibir seus produtos em rede nacional.
2. Cruzando as variáveis de distribuição
local/global com as variáveis de conteúdo local/global temos mais quatro
situações típicas. A distribuição local de conteúdos locais caracteriza uma
situação estável de plena difusão da cultura e dos valores locais (por exemplo,
a TV Bahia exibindo uma grade de programação local com temas típicos baianos,
não importando a origem de produção). Por outro lado, A distribuição global (no
caso brasileiro, em rede nacional) de conteúdo global (grade não regionalizada)
também caracteriza uma situação estável de “difusão da cultura global” (a Globo
disponibilizando uma grade em horário nobre somente de novelas e telejornalismo
nacional), com eventuais mudanças apontando para uma situação de distribuição
global de produtos locais, que chamamos aqui de “regionalização dos conteúdos”
ou “regionalização da programação” (por exemplo, a Globo exibindo novelas com
temas nordestinos). Por outra via, à distribuição local de programas globais
chamaríamos, na ausência de expressão mais adequada, de “universalismo
cultural” (uma programação de TV local que priorizasse temas nacionais em
detrimento dos regionais).
3. Cruzando as variáveis de produção local/global com as variáveis de conteúdo local/global temos outras quatro situações típicas. A produção local de conteúdos locais caracteriza uma situação estável de um “programa local” (por exemplo, uma emissora ou produtora local produzindo um programa sobre baianidade). Por outro lado, a produção global de conteúdos globais caracteriza também uma situação estável de um “programa global” ou “grade de programação global” (o SBT produzindo programas de auditório), com mudanças apontando para a produção local de conteúdos globais, que resultariam no que aqui denominamos “programas panorâmicos” ou “grade panorâmica” (um exemplo é o de um programa em emissora local sobre tema universal, como automóveis ou turismo internacional), ou para a produção global de programas regionais, que estariam resultando em “programas focalizados” ou segmentados regionalmente (um exemplo bem típico seriam os quadros exóticos sobre as culturas regionais no programa Fantástico, da Rede Globo).
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