POLÍTICA DE INFORMAÇÃO PARA ALFABETIZAÇÃO DIGITAL

 

JUSSARA BORGES LIMA[1]

jussaraborges2003@yahoo.com.br

 

LURDES REGINA B. L. MACHADO[2]

reginnalima@hotmail.com

 

A capacidade de acesso e uso da informação vem consolidando-se como principal elemento para o desenvolvimento econômico e social, além de requisito para o exercício da cidadania. Ao mesmo tempo, verifica-se a transferência dessa informação para o meio digital, em especial a Internet. Entretanto, essa crescente disponibilização de informações não tem se refletido no seu acesso e uso pela população em geral. Além das barreiras econômicas, os brasileiros não têm sido educados para produção e consumo de bens informacionais, menos ainda em meio digital. Assim, este artigo discute sobre a importância de uma política de informação que, articulada com outras políticas públicas, como a educacional, privilegie a alfabetização digital e o desenvolvimento de competências informacionais como elementos formadores de um indivíduo cidadão.

 

Palavras-chave: Alfabetização digital; Política de Informação; Competência Informacional; Educação; Acesso à informação.

 

Um monte de informações é tanto conhecimento

quanto um monte de tijolos e uma casa.

R. Bohoslavsky

 

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A capacidade de acesso e uso da informação vem consolidando-se como principal elemento para o desenvolvimento econômico e social, além de requisito para o exercício da cidadania.

Na Sociedade da Informação (SI)[3], alicerçada em infra-estruturas de tecnologias de informação e comunicação, numa economia globalizada e no intenso desenvolvimento em ciência e tecnologia, o conhecimento emerge como elemento central do processo gerador de desenvolvimento econômico e social. O conhecimento adquiriu status determinante no desenvolvimento da sociedade contemporânea por ser o fator que determina desde a agregação de valor a novos produtos comerciais até a superação de desigualdades sociais. Os indivíduos, empresas, organizações e governos que têm demonstrado melhores condições de competir e atender seus objetivos são aqueles que aprenderam a gerir a informação de seu ambiente para transformá-la em conhecimento e este em empregos qualificados, produtos com melhor aceitação no mercado ou melhoria do bem-estar de uma comunidade. “A informação, quando adequadamente assimilada, produz conhecimento, modifica o estoque mental de informações do indivíduo e traz benefícios ao seu desenvolvimento e ao desenvolvimento da sociedade em que ele vive” (BARRETO, 1994).

Da mesma forma, a cidadania, aqui compreendida como a potencialidade do indivíduo para compreender sua realidade, participar das decisões coletivas com capacidade crítica e receber seus potenciais benefícios, pressupõe um indivíduo capaz de acessar, compreender, assimilar e usar informações em benefício seu e de sua comunidade. Muitas pessoas deixam de exercer e reivindicar seus direitos por simples desconhecimento sobre os mesmos. Tal situação ameaça a própria construção democrática, se considerar-se que apenas alguns exercem seus direitos políticos, civis e sociais, em detrimento da grande maioria à margem do acesso à informação. Nesse sentido, não só o acesso à informação como seu uso crítico precisam ser elevados a direitos fundamentais, conquanto são mesmo os meios para o exercício de todos os demais direitos e deveres.

Assim, a relação entre informação e cidadania não á algo gerado a partir do simples acesso/uso de informação. Tal relação exige reflexão e análise crítica por parte do usuário de informação. Diante desta consideração, a sociedade de informação e do conhecimento é apenas um espaço de possibilidades que ainda espera uma ação crítica por parte dos sujeitos sociais, no sentido de colocar tais elementos a serviço do bem-estar coletivo. (ARAÚJO, 1999, p.166)

A instituição escolar, em função de seu alcance, tem o papel fundamental de cooperar na democratização do acesso à informação e de desenvolver ações de disseminação da Sociedade da Informação, para que seja também a sociedade da inclusão. Neste sentido, o trabalho pedagógico é o meio de apresentação das inúmeras possibilidades de acesso à informação pelo educando, em especial a Internet, além de ter o dever de incentivar a busca autônoma da informação para a construção do conhecimento.

Problematizar as informações antes de assimilá-las é fundamental para a construção de conhecimentos que sejam relevantes para o usuário. Paulo Freire defendia o diálogo, a troca de idéias para constatar a relevância das informações.

O fundamental é que a informação seja sempre precedida e associada à problematização do objeto em torno de cujo conhecimento ele (o educador) dá esta ou aquela informação. Desta forma, se alcança uma síntese entre o conhecimento do educador, mais sistematizado, e o conhecimento do educando, menos sistematizado – síntese que se faz através do diálogo. (FREIRE, 1981, p. 54)

A Sociedade da Informação, embora fenômeno mundial, precisa ser analisada localmente para permitir que cada país, de acordo com seu contexto, desenvolva políticas adequadas ao melhor aproveitamento das oportunidades. Para tanto, algumas características inerentes precisam ser consideradas, como as destacadas por Jambeiro (2002): a imprevisibilidade dos caminhos que tomará a Sociedade da Informação, a incontrolabilidade dos conteúdos que circulam, a inevitabilidade de ação pública no setor, a indutibilidade do governo para preservação da identidade nacional.

No Brasil, o governo federal e os governos estaduais e municipais possuem inúmeros programas de apoio à disseminação do uso das tecnologias informacionais, sobretudo nas instituições escolares, criando os  “Laboratórios de Informática” ou simplesmente “Salas de Informática”, contudo delegam à estas instituições a responsabilidade na formação e capacitação de profissionais para coordenar as atividades nesses espaços . As escolas em geral, encontram dificuldade em gerir estes novos espaços, visto que não possuem pessoal disponível, menos ainda pessoal capacitado, tampouco meios, pois não há uma política de educação ou de informação que aponte para a promoção do acesso e uso da informação no processo de ensino-aprendizagem.

 

2 A INFORMAÇÃO NA INTERNET E A ESCOLA

Um fenômeno inerente à Sociedade da Informação é a transferência da informação para o meio digital, em especial a Internet, transformando-se no principal meio para o crescente fluxo de informações.

Para Ronca e Costa (2002), a Internet se constituirá no próprio espaço comum do conhecimento, com a melhor possibilidade de construção de uma democracia cognitiva, onde a construção de saberes é coletiva, a partir de redes de compartilhamento que se organizam em sistemas circulares ou horizontais de transmissão de informações. Isso possibilita que a produção de conhecimento e difusão de informações seja cada vez mais distribuída entre os inúmeros agentes através da web, havendo a possibilidade de contextualização dessa informação e melhoria no nível de conhecimento do cidadão que passa a tirar proveito do conteúdo que circula na rede.

Se esse contexto parece apresentar infinitas oportunidades, é uma realidade que ainda não chegou para todos. Nunca houve tanta informação disponível, mas essa crescente disponibilização não tem se refletido no seu acesso e uso pela população em geral. Embora seja possível observar o aumento do acesso às novas tecnologias de comunicação e informação (NTCIs), esse acesso continua ainda muito concentrado entre aqueles poucos privilegiados que podem pagar pelos bens e serviços necessários para acesso à Internet.

Coloca-se ainda como desafio o despreparo geral para se lidar com a grande quantidade de informação disponível. Frente à Internet, o indivíduo muitas vezes sente-se incapaz de selecionar, dentre o dilúvio de informações, aquilo que efetivamente lhe é relevante.

A exclusão digital, portanto, parece ser um problema bem mais amplo que o não-acesso aos recursos físicos para uso da rede, mas remete ao despreparo para acessar e usar informações desse meio. Instala-se, então, um círculo vicioso entre exclusão digital e social: sem acesso aos recursos econômicos e educacionais para utilizar-se dos benefícios do mundo digital, o indivíduo enfrenta dificuldades para inserir-se socialmente.

Na Escola, o papel do educador se modifica bastante quando ele abre as portas da sala de aula para as tecnologias da informação, quando possibilita que seus alunos utilizem diferentes e novos meios de busca de informações. O educador passa a ser o orientador desta busca e procura estimular seus alunos na utilização de todas as ferramentas possíveis, o maior número de alternativas para as situações que forem propostas. Pesquisa feita, dados coletados, é hora da organização, questionamento, momento de avaliar a relevância das informações para a pesquisa proposta.

As experiências de crescimento e desenvolvimento através da utilização das tecnologias da informação, sobretudo o computador e a Internet, espalham-se pelo país e surpreendem os envolvidos através de seus resultados. Exemplo destes resultados positivos é a experiência do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que trabalha com crianças e adolescentes que supostamente possuem dificuldades de aprendizagem, através da utilização de softwares educativos e da Internet apresentam resultados quantitativos e qualitativos em termos de aprendizagem e reconquistam a auto-estima para a re-inclusão no processo de ensino-aprendizagem.

As pesquisas institucionais escolares, em sua maioria, apontam que os alunos relacionam a utilização das salas informatizadas com o aprendizado prazeroso e a diminuição da verticalidade e das relações de poder no processo ensino-aprendizagem. Além disso, a cooperação entre os alunos é visível, pois todos alcançam resultados para dividir com os colegas.

 

3 POLÍTICA DE INFORMAÇÃO

Seja em âmbito organizacional ou nacional, o desenvolvimento está cada vez mais associada à capacidade de gerir informações para gerar conhecimento. Tal ambiente, no entanto, não se desenvolve de forma espontânea, mas requer, dentre outros fatores, políticas de informação adequadas.

Aun (2001) aponta como aspectos básicos caracterizadores de uma política de informação: o aspecto de longo prazo, a explicitação legal e o processo de transferência de informações, além de comentar sobre a natureza bem mais complexa e ampla de uma política se comparada a um plano.

 

Assim, dentre os diversos conceitos encontrados na literatura científica sobre o assunto, aquele que melhor parece expressar a idéia é o elaborado por Garcia (1980 apud AUN, 2001):

O pressuposto de uma explicitação de princípios sobre o que é desejável e realizável para um país em termos de produção, transferência e acesso à informação, considerando-se os seus recursos de informação, a sua infra-estrutura e as necessidades de seus usuários. Se por um lado estas políticas expressam uma idealização, por outro, expressam objetivos de atuação e de transformação da realidade numa determinada direção.

 

Para Silva (1991):

Numa visão ideal, uma política de informação deve ser um instrumento que integre a sociedade aos avanços científicos e tecnológicos, de forma participativa. Assim praticada, ela contribui para a melhoria do nível educacional, cultural e político, elementos básicos para o exercício pleno da cidadania.

Outras características que parecem importantes na atual conjuntura dizem respeito à capacidade de uma política ser flexível a ponto de adequar-se dinamicamente a um contexto em constante mudança, além da busca da qualidade dos conteúdos informacionais, sem limitar-se à construção de infra-estrutura técnica, mas privilegiando o uso das informações, uma vez que hoje sabemos que a simples disponibilização não garante a geração de conhecimento. Nas palavras de Gomez (2001):

Mecanismos devem ser desenvolvidos para garantir o uso efetivo daquele conhecimento quando ele tem impacto direto na sociedade. Trata-se de ‘traduzir’ o conhecimento científico numa linguagem e dimensão que o transforme em informação adequada à implementação em contextos específicos de ação, para a população em geral ou para algum de seus segmentos. É necessária intervenção de mediadores, que agregam significado e novas informações. Produção, mediação e uso não podem ser dissociados. Para garantir programas de informação em bases sistemáticas, há que se pensar numa política de mediação.

 

O embrião das políticas de informação deu-se na década de 50 por iniciativa da UNESCO que criou centros nacionais de informação. Estes, por sua vez, foram os primeiros a preocuparem-se com o estabelecimento de sistemas de informação em nível nacional e, por conseguinte, com políticas de informação. Neste contexto, são criados, no Brasil, o CNPq (1951), objetivando o desenvolvimento da pesquisa científica, e o IBBD (1954), com a função de liderar as atividades de informação.

Nas décadas seguintes, o foco de atenção centrou-se em políticas que propiciassem a construção de infra-estrutura para os serviços de informação, haja vista a explosão informacional originada no intenso desenvolvimento científico e tecnológico do pós-guerra e a necessidade decorrente de desenvolvimento de coleções e construção de bancos de dados capazes de armazenar tal gama de informações.  

Em artigo de 1982, Dunn apontava a infra-estrutura de informação como o recurso mais importante que uma nação tem e colocava a definição de uma política de informação como o meio de administrar tal recurso. Para ele, uma política de informação deveria incluir alguns objetivos: “... the efficient provision of high quality, diverse information services to business and consumers, some measure of freedom of access to these services by both providers and the users, and the protection of individual against invasion of privacy and the misuse of information about them”.

Com a emergência da Sociedade da Informação, processo este intensificado nos anos 90 e alicerçado pela infra-estrutura desenvolvida nos anos anteriores somada aos processos de globalização e intenso desenvolvimento científico e tecnológico, as políticas de informação adquirem caráter estratégico e passam a ser vistas pelos Estados como oportunidade de crescimento econômico. Segundo Castells (2000, p. 109): “... a nova economia, baseada em reestruturação socioeconômica e revolução tecnológica será moldada, até certo ponto, de acordo com os processos políticos desenvolvidos no e pelo Estado”.

Em todo o mundo, por meios diversos e diferenciados enfoques, os países têm despendido esforços na construção de políticas para inclusão nacional na Sociedade da Informação. Uns de forma defensiva, outros com visão estratégica, mas todos procurando prevenir dificuldades e aproveitar oportunidades que o novo cenário aponta. Não só o direito de acesso à informação, como o direito de expressão e divulgação das idéias dos indivíduos deve ser garantido por um governo que se pretende democrático. Assim, dentre os papéis do Estado está o de promotor de políticas públicas como mecanismos de ação que promovam os interesses de desenvolvimento da nação.

No Brasil, segundo relato de Jambeiro (2002), até a década de 80 a construção de políticas de informação estava nas mãos de uma elite dominante que acreditava que tudo com valor informacional ou cultural deveria estar em um plano superior e, portanto, inacessível aos homens comuns. A partir de então, com a chegada ao poder de grupos com uma mentalidade diferente, passou-se a viver um processo de democratização das estruturas encarregadas da formulação de políticas de informação, o que poderia se reverter em vantagens para a sociedade como um todo, uma vez que “a essência do processo informacional, cultural e do conhecimento é exatamente o fluir contínuo de realizações cooperativas [...], a confluência de pequenas correntes que se interconectam, interpenetram e se complementam na cultura e no processo de acumulação de conhecimento”. Nos anos 90, entretanto, buscando investimentos para a necessária qualificação das infra-estruturas de informática e telecomunicações, ocorre uma retirada substancial do governo do cenário, em função das privatizações, levando a uma crescente mercantilização da informação e da cultura. De acordo com Quéau (1998), o Estado-nação tem perdido poder, legitimidade e campo de ação com a globalização, sendo suplantado por atores e processos transnacionais.

 A adoção do modelo neoliberal e do estado mínimo parece transferir para o mercado e organizações do terceiro setor, a responsabilidade pelo social. O mercado, voltado para o lucro, não está interessado em projetos coletivos e o terceiro setor, sozinho, não pode dar conta de tamanha responsabilidade. Deve haver sinergia entre o setor privado, terceiro setor e governo, mas é papel do Estado promover políticas nacionais.

Nos primeiros anos do novo milênio há uma certa preocupação estatal no envolvimento de todos os atores da cadeia de produção de ciência e tecnologia na construção de políticas de informação voltadas para demandas e pontos críticos para o desenvolvimento nacional coeso. O Estado continua com um papel fundamental na sociedade, principalmente no que se refere à elaboração e implementação de políticas de longo alcance, mas já não pode fazê-lo sozinho. A Sociedade da Informação traz na sua essência uma sociedade civil mais organizada, força esta que o Estado não poderá prescindir se quiser implementar políticas públicas eficazes.

Dentre as iniciativas estatais visando à construção de políticas de informação no Brasil destaca-se o Programa Sociedade da Informação. Desenvolvido no âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia, o projeto tem amplitude nacional e procura articular, coordenar e incentivar a aplicação de recursos de informação e comunicação para fomentar a educação e pesquisa que levem a ganhos de produtividade, melhoria das atividades do governo, melhoria da qualidade de vida da população e desenvolvimento das empresas nacionais para serem competitivas no mercado internacional.

 

 

4 POLÍTICA DE INFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO E ALFABETIZAÇÃO DIGITAL

Pensando a nível nacional, uma política de informação deveria privilegiar ações de mudança da realidade, visando proporcionar ao País condições de competir no mercado internacional igualitariamente. Dentre os principais obstáculos está a atual situação de desnível sócio-econômico-educacional brasileiro em que, em oposição a ilhas de excelência em desenvolvimento científico, contrasta-se uma grande maioria de marginalizados informacionais.

Além das barreiras econômicas, os brasileiros não têm sido educados para produção e consumo de bens informacionais, menos ainda em meio digital. Numa sociedade organizada em torno da informação, como a que se configura, a educação tem seu papel multiplicado já que dela depende a formação de indivíduos capazes de aprender continuamente. Hoje não basta a capacidade de armazenar um grande volume de dados (como foi por muito tempo o paradigma de ensino-aprendizagem), já que num contexto de contínuas mudanças, estes dados logo estarão obsoletos. Ao indivíduo do século XXI, portanto, é exigida a capacidade de atualizar-se durante toda a vida, o que envolve também, num contexto de abundância de informações, habilidades de seleção e julgamento cada vez mais apuradas.

Para poder atuar nas mais diversas escalas de interação social: no trabalho, no grupo de amizades ou para o exercício da cidadania, manter-se informado é premissa básica. Isso pressupõe uma formação bem além da técnica em torno das NTCIs, mas que desenvolva uma abordagem humanista para lidar com informações oriundas de diversas fontes e culturas, além de competência cognitiva o uso ativo, consciente e crítico da informação. De onde se conclui que a educação, conquanto desenvolva nos indivíduos competência informacional, é a própria viabilizadora da idéia de Sociedade da Informação, nos termos aqui apontados.

Democratizar a informação não pode, assim, envolver somente programas para facilitar e aumentar o acesso à informação. É necessário que o indivíduo tenha condições de elaborar este insumo recebido, transformando-o em conhecimento esclarecedor e libertador, em benefício próprio e da sociedade onde vive (BARRETO, 1994)

 

Essa posição está em acordo com o conceito de information literacy. Ainda sem uma tradução sedimentada para o português, mas neste artigo representada pela expressão “competência informacional”, o conceito trata, de forma ampla, da educação para o uso da informação.

Para ser competente em informação, uma pessoa deve ser capaz de reconhecer quando uma informação é necessária e deve ter a habilidade de localizar, avaliar e usar efetivamente a informação... Resumindo, as pessoas competentes em informação são aquelas que aprenderam a aprender. Elas sabem como aprender, pois sabem como o conhecimento é organizado, como encontrar a informação e como usá-la de modo que outras pessoas aprendam a partir dela. (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION apud DUDZIAK, 2003, p. 26)

As instituições escolares têm o papel essencial de orientar os indivíduos nesse processo de aprendizagem, pois na Escola circulam informações constantemente. A partir desse processo de aprendizagem, o sujeito absorve informações e é estimulado a criar e recriar conceitos utilizando as novas informações, suas experiências e conceitos elaborados anteriormente. A interação constante entre sujeito e objeto (informação), acarretará a formulação de novos conhecimentos, que por sua vez possibilitarão a criação de novas informações.

Dentro do contexto da Sociedade da Informação, parece imprescindível que a escola passe a tratar o desenvolvimento da competência informacional de forma integrada ao currículo. Isso deve ocorrer não como uma disciplina a parte, mas permeando o universo da aprendizagem, onde os alunos são levados a usar os recursos informacionais na resolução de problemas, com senso crítico e de acordo com cada contexto.

Todo mundo usa informação enquanto cidadão, trabalhador, na resolução de problemas ou para o aprendizado ao longo da vida. Tradicionalmente as escolas promovem o conceito de “aprender a aprender”. As competências mais elevadas de aprendizagem incluem a formulação de questões, a avaliação da informação de acordo com sua pertinência e exatidão, a organização da informação e, finalmente, a aplicação da informação para responder às questões originais – o último e mais valioso passo no processo. (DOYLE apud DUDZIAK, 2003, 26)

 

O tratamento adequado às informações, nas instituições escolares, deve ser coordenado por professores que se pautem nos seguintes aspectos, comentados por Moran (2000):

[...] o papel do aluno não é o de ‘tarefeiro’, o de executar atividades, mas o de co-pesquisador, responsável pela riqueza, qualidade e tratamento das informações coletadas. O professor está atento às descobertas, às dúvidas, ao intercâmbio das informações (os alunos pesquisam, escolhem, imprimem), ao tratamento das informações. O professor ajuda, problematiza, incentiva, relaciona. (MORAN, 2000).

 

Continuando com as palavras de Moran:

O professor estará atento a vários ritmos, às descobertas, servirá de elo entre todos, será o divulgador dos achados, o problematizador e principalmente o incentivador. Depois de um tempo, ele coordena as sínteses das buscas feitas, organiza os resultados, os caminhos que parecem mais promissores. (MORAN, 2000)

 

Outro ponto de interesse dentro da reflexão que aqui se faz, diz respeito à aproximação que o conceito de competência informacional pode fazer entre informação e cidadania: cidadãos mais aptos para o uso da informação têm melhores condições para decidir e exercer sua participação política com mais responsabilidade e consciência.

A inclusão da competência informacional no processo educacional, entretanto, requer mudanças que só podem ser implementadas a partir de políticas amplas de informação e educação integradas e focadas num objetivo comum, o que Dudziak (2003) chamou de estabelecimento de uma “cultura da informação”.

Os projetos em torno da competência informacional, por hora, têm sido objeto de trabalho entre bibliotecas e bibliotecários, enquanto educadores em informação. Esses atores têm papel indispensável, entretanto, o que se propõe aqui é um alargamento do processo, englobando professores e método de ensino, o que exige, portanto, coesão entre políticas de informação e educação.

Na via encabeçada por professores, outro conceito, também ainda em construção, parece aproximar-se do de competência informacional. Trata-se da alfabetização digital.

O conceito emergiu a partir do Livro Verde do Programa Sociedade da Informação (SOCINFO), relacionado à capacitação para uso das tecnologias de informação e comunicação em favor dos interesses e necessidades individuais e comunitárias, com responsabilidade e senso de cidadania.

Há controvérsias, ainda, sobre o termo que melhor denota o significado e mesmo na interpretação que se dá ao mesmo. Assim, por exemplo, Bonilla (2004) vê a alfabetização digital defendida pelo SOCINFO apenas como a habilitação básica para usar as novas tecnologias numa perspectiva do usuário consumidor de bens, serviços e informações. Buzato (2003) acredita que alfabetização está relacionada somente a codificação/decodificação da escrita e sugere o termo “letramento digital” relacionando-o à habilidade para construir sentido, capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente informação eletrônica. Silva (2002), por sua vez, relaciona alfabetização com construção social e, portanto, alfabetização tecnológica seria a capacitação para utilização inteligente e crítica da tecnologia: saber quando e porquê utilizá-la e exercer a cidadania.

Para este artigo, no entanto, o entendimento de alfabetização digital alia a compreensão de alfabetização, a partir de Paulo Freire, com o conceito de competência informacional. Para Paulo Freire não basta que o sujeito aprenda os signos da língua escrita, mas que os conceda significado e sentido, utilizando-os de forma crítica na construção do bem coletivo. A alfabetização freireana parte da realidade do alfabetizando e, com base nela, estimula o indivíduo a se apropriar do código escrito como meio para compreender e participar na vida pública com senso crítico. Competência informacional, como visto e em acordo com Campello (2003), traz a relação entre as habilidades ligadas ao uso da informação eletrônica com responsabilidade social e cidadania.

Assim, parece imprescindível uma política de informação que, articulada com outras políticas públicas, como a educacional, privilegie a alfabetização digital e o desenvolvimento de competências informacionais como elementos formadores de um indivíduo cidadão. A organização das ações em torno de uma política pública é indispensável pelo caráter amplo que a política dá, ou seja, como meio de tornar a alfabetização digital um projeto abrangente e de caráter nacional, o que vem ao encontro da proposta de universalização no acesso à informação. A própria alfabetização escolar não seria massiva se não fosse pela transformação da educação em política pública.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de Sociedade da Informação parece embutir a necessidade de democratização no acesso e uso das informações (que estão cada vez mais em rede) como premissa para o desenvolvimento econômico-social e exercício da cidadania.

Além do acesso à infra-estrutura tecnológica e conteúdos relevantes, a universalização de oportunidades apresentadas pela SI para o cidadão, passa pela educação para acesso e uso dos recursos informacionais. O desenvolvimento de competências para transformação da informação em conhecimentos tácitos pressupõe uma educação permanente e precoce para preparar a sociedade para esse novo e mutante contexto.

 

A proposta que se coloca aqui vai ao encontro do conceito de alfabetização digital, compreendida como a convergência entre o uso das NTICs e a competência informacional, e desenvolvida no âmbito da escola em sincronia e permeando todo o processo de ensino-aprendizagem.

A importância de uma política pública de informação para alfabetização digital faz-se sentir pelo caráter amplo e articulado que uma política encerra.

Atualmente, grandes esforços e investimentos têm sido direcionados para programas de inclusão digital. São ações indispensáveis, sem dúvida, se compreendermos a impossibilidade de uma sociedade saudável e democrática com maioria excluída digital e socialmente. Mas talvez não precisássemos incluir no futuro se começássemos a alfabetizar hoje.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Mestranda em Ciência da Informação (UFBA)

[2] Pedagoga – Orientadora Educacional (UFSC)

[3] A expressão Sociedade da Informação, neste artigo, diz respeito a um contexto onde a aquisição, o processamento, o armazenamento e a disseminação da informação leva a criação de conhecimento e à satisfação de necessidades de informação dos cidadãos e das organizações, ocupando papel central nas atividades econômicas, sociais e culturais.